Coisa que raramente faço, resolvi ir nesta quarta-feira à Câmara Municipal assistir à sabatina do amigo Chiquinho França, consagrado instrumentista maranhense, indicado pelo novo prefeito à presidência da Fundação Cultural de Imperatriz (FCI). Fui devido a várias motivações: 1) por tratar-se de um amigo de quem espero uma gestão cultural diferenciada das que temos tido ultimamente no Município, voltadas apenas para os “grandes eventos” do carnaval, festas juninas, aniversário da cidade e reveillon; 2) por ter sido eu o primeiro presidente da FCI; 3) por desejar ouvir de viva voz as promessas de cumprimento da Lei de Incentivo à Cultura e do Fundo Municipal de Cultura, descumprida sistematicamente e propositadamente pela governo anterior — por mais paradoxal que possa parecer, o mesmo que a criou e a sancionou; 4) por ser eu vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura, representando a sociedade civil.
Durante a sabatina, ouvi o que era de se esperar: as promessas de valorização das diversas manifestação culturais e o compromisso de cumprimento da lei municipal de cultura a partir deste mês — o que é louvável, mas não poderia ser diferente; a realização de oficinas de captação de recursos federais e estaduais (muito necessárias, visto que os recursos do Fundo Municipal porte nem para todas as situações); a busca de parcerias com a iniciativa privada, além de outras louváveis iniciativas. Dei-me por contente nesses quesitos, pois tão pouco tem sido feito verdadeiramente no na área das políticas culturais, mas quase tão somente eventos culturais, que não são a mesma coisa.
Contudo, deixei a galeria da Câmara um tanto agastado e preocupado com a visão do novo presidente da FCI, seus assessores e alguns vereadores quanto à identidade cultural de Imperatriz, que, para mim, é o ponto de partida para as ações e a política cultural a ser implementada. Afirmou-se que Imperatriz não tem uma identidade cultural, e sim manifestações “fragmentadas” de culturas diversas. Ora, um absurdo e um perigo essa afirmativa, pois é exatamente nessa diversidade que se encontra a identidade cultural do município: ela é plural; é múltipla e diversa.
É preciso compreender que a cultura de uma sociedade caminha pari e passo com sua história. Os elementos e as manifestações culturais são o resultado do fazer humano, o modo de vida e os costumes construídos, herdados ou adquiridos das gerações anteriores e da contemporaneidade. E nesse aspecto, inclusive, é preciso distinguir o que inculturação e aculturação, ou seja, aquilo que é nato e que é alienígena, aquilo que tem raízes na história e nos costumes do povo e aquilo que nos é imposto pelo modismo ou pelos meios de comunicação, sem correspondência com os nossos costumes, com nossa história.
Quem conhece a história e os costumes do nosso sudoeste maranhense, sabe muito bem o quanto é diferencia a cultura destes sertões em comparação com a cultura ilhéu. Pouco temos em comum em folclore, gastronomia e musicalidade. Essas duas regiões, apesar de ambas maranhenses, surgiram distintamente, viveram isoladas uma da outra por mais de 250 anos e somente há pouco mais de 50 anos passaram a ter contato expressivo.
Não sei se é necessário lembrar que a partir da década de 1950, com os processos migratórios que transformaram Imperatriz na segunda mais populosa cidade maranhense, pessoas de toas as regiões brasileiras se estabeleceram neste Município, trazendo consigo seus costumes, seus credos, seus sotaques, sua culinária, enfim, suas manifestações culturais, sobrepondo-se, por serem os migrantes maioria da população, à cultura local. Com isso, Imperatriz tornou-se multicultural.
É exatamente essa a identidade cultural de Imperatriz: a multiculturalidade. Aqui, não há “uma” identidade cultural; há uma pluralidade de identidades que se entrecruzam e formam “um todo” múltiplo, plural, que caracteriza o que somos. Há aqui uma invejável riqueza de etnias, sotaques, cantos, credos, danças, culinária e outras manifestações que não se pode confundir com uma babel cultural e se queira reduzi-la a uma monocultura, a uma ou duas expressões que, em suma, não representam a nossa totalidade múltipla — um caldeirão em que se amalgamam culturas do Norte, do Nordeste, do Sul, do Sudeste, do Centroeste e estrangeiros, sem ranço nem preconceito que, talvez, daqui a várias gerações, se fundam em outras expressões próprias, nascidas desses entrelaces.
Assim como São Paulo, Brasília, Rio Branco e várias outras cidades impulsionadas pela migração, Imperatriz é um polo de cultura e tem muitas facetas culturais. É um equívoco completo pretender-se que Imperatriz se espelhe na ilha capital. O bumba-meu-boi não tem a ver com as quadrilhas juninas, apesar de serem festejos de mesma época, nem que o cacuriá seja para nós mais importante que o lindô. Ou que o reggae receba mais destaque que o forró. Isto sim, é questão de identidade histórica.
Que viva nossa pluralidade, a nossa identidade

 

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