0comentário Juracy Vieira – o nosso Cozzi, Doalcei, Silvério

José De Oliveira Ramos

A mesa está posta na sala de visitas. Uma vistosa toalha de linho branco com detalhes bordados em rendas enfeita, naquele momento, o objeto mais importante da casa de Joaquim Albano, em Queimadas, povoado do município de Pacajus/CE, no início da década de 50.

 
A “espreguiçadeira” principal da casa (uma muito bem trabalhada cadeira de jacarandá com forro de palhinha) garante o repouso e a expectativa de Joaquim, dono da casa. Outros convidados especiais estão na sala, em volta da mesa. Sobre a mesa, a principal atração da tarde: um vistoso e bem cuidado rádio “ABC a voz de ouro”.

 
Talvez por conta da pequena quantidade de aparelhos ligados nas redondezas, em que pese a transmissão captada diretamente de São Paulo, mais precisamente do Estádio Paulo Machado de Carvalho, a voz límpida, emocionante, detalhada, de Oduvaldo Cozzi fazia diferentes as tardes de domingo pelo Brasil.

 
Foi assim na Copa do Mundo de 1954, quando decepção e constrangimento foram estendidos aos brasileiros daqui e de todos os lugares. A triste façanha foi repetida em 1954 quando, em Berna, na Suíça, a seleção da Hungria arrasou a seleção brasileira, eliminando-a com uma goleada de 4 a 2. E, mais uma vez, o rádio nos trouxe as desinteressantes alvíssaras.

 
Os rádios “ABC a voz de ouro”, “Transglobe”, “Phillips”, “Semp”, repentinamente se transformaram em eletrodomésticos dos mais úteis. Presente muito bem recebido por qualquer aniversariante. A partir daí o rádio teve expansão incontrolável, levando, inclusive, à transistorização. A comunicação mudou de forma considerável num país de dimensões continentais como o Brasil.

 
Sem muita aceitação – pelos inúmeros erros cometidos – as copas do mundo de 1950 e 1954 começaram a ser esquecidas. A de 1950, perdida de forma bisonha, no próprio território brasileiro, para uma seleção que percebeu a fraqueza psicológica brasileira e soube escolher o momento certo da conquista. A de 1954, “assistida à distância” via rádio, não causou tanta ira, porque perdida para a melhor seleção de futebol que já se formou nas disputas dos campeonatos mundiais: a da Hungria, de Puskas, Lántós, Hidegkuti, Kocsis e outros.

 
Em 1955 e 1956 tudo mudou. O rádio esportivo passou a ser uma potência e o primeiro e principal caminho da informação. Rádio Mauá, Rádio Nacional, Rádio Tupi, Rádio Bandeirantes, Rádio Jornal do Commércio, Rádio Tamoio, Rádio Copacabana, Rádio Continental, Rádio Gaúcha, Rádio Farroupilha, Rádio Guaíba, Rádio Eldorado, Rádio Gazeta, Rádio Record, Rádio Excelsior da Bahia, Rádio Borborema, Rádio Clube de Recife, Rádio Tabajara e Rádio Nordeste passaram a fazer a alegria do povo brasileiro nas tardes de domingo.

 
A década de 60 começou a todo vapor e o rádio não ficou atrás. Sem televisão e com poucos jornais impressos, em quase todas as residências do Brasil existia um rádio. As rádio-novelas eram atrações à parte e garantiam a mesma audiência que as tele-novelas atuais. Quem não ouviu falar do “Direito de Nascer”? Quem não ouviu falar dos programas de auditório da famosa Rádio Nacional, do fabuloso programa “Papel Carbono” comandado por Renato Murce? Quem não lembra Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Dolores Duran, Vicente Celestino, Francisco Alves, Francisco Carlos, Carlos Galhardo, Sílvio Caldas, Orlando Silva, Orlando Dias, Moacir Franco. Quem não lembra os programas de César de Alencar?

 
Pois, foi nesse “boom” provocado pelo rádio, que o “Rádio Esportivo” cresceu, evoluiu, tomou conta do Brasil, popularizando Ary Barroso, Oduvaldo Cozzi, Luís Mendes, João Saldanha, Orlando Batista, Fiori Giglioti, Doalcei Bueno de Camargo, Waldir Amaral, Jorge Cury, Oswaldo Moreira, Geraldo José de Almeida, José Cabral, Ruy Porto, Ivan Lima, Carlos Lima, Aldir Dudman, Júlio Sales, Peter Soares, Afonso Soares, Mauro Pinheiro, Mauro Campos, Barbosa Filho (maranhense), Alexandre Santos, Darcy Reis, Antonio Edson, Armando Oliveira (o baiano), Jones Tavares, José Ataíde, Pedro Luiz, Edson Leite, e tantos outros que hoje desfrutam dos caminhos abertos pelos iniciantes com muita luta e suor.

 
A segunda Guerra Mundial se aproximava do fim. Nos meses de fevereiro e março de 1945, enquanto morriam 6.000 soldados norte-americanos e 20.000 japoneses numa luta desumana pelo controle de uma ilha, no Brasil, mais precisamente em Teresina/PI, na Avenida Campos Sales, 1.555, vinha ao mundo Juracy Vieira da Silva que, 25 anos depois, estaria lado a lado, ombreando os maiores e mais importantes narradores de futebol do Brasil.

 
46 dias após o nascimento de Juracy Vieira, isto é, no dia 30 de abril de 1945, Adolf Hitler cometeria suicídio no seu bunker de Berlim. Hitler acabara de nomear Karl Doenitz seu sucessor como Chefe de Estado que, mais tarde decidiu render-se. Mas foi Alfred Jodl, general representante de Karl Doenitz, quem assinou a rendição incondicional de todas as forças armadas alemãs ao comparecer ao Quartel-General de Eisenhower, em Reims, no dia 7 de maio de 1945.

 
E, quem nasce numa efervescência dessas, não pode ser alguém sem importância. Muito jovem ainda, Juracy Vieira ingressou na Rádio Clube de Teresina, contratado como narrador esportivo. O nome e a fama correram mundo espraiando-se pelo Nordeste. A boa nova chegou aos ouvidos de Paulo Câmara, então Diretor da Rádio Nordeste de Natal, e Juracy Vieira mudou de mala e cuia para a capital espacial, integrando-se definitivamente ao “cast” de uma das maiores e mais importantes equipes de esporte do Nordeste.

 

A década de 60 se aproximava do fim, e o rádio esportivo do Brasil, que assumira lugar de destaque em 1958 com a conquista da Copa do Mundo, na Suécia, estava em expansão, todos brigando pela audiência que, como retorno, trazia status e bons salários.

 
Dono de audiência inconteste não apenas em Natal, mas em todo Rio Grande do Norte, Juracy Vieira atravessava fronteiras, ficava famoso e, numa rotina dos bons e competentes, foi contratado pela Rádio Poti de Natal, na época, uma das fortes células dos Diários Associados no Rio Grande do Norte.

 
E Juracy Vieira já figurava no rol dos mais vibrantes e melhores narradores esportivos do Brasil quando foi contratado a peso de ouro pela Rádio Cabugi de Natal (atual Globo Natal), onde conheceu nomes como José Lira e Hélio Câmara.

 
O trabalho alimenta a competência e esta leva à fama. Pois foi assim que Juracy Vieira da Silva foi contratado pela Rádio Olinda de Pernambuco, onde era Diretor de Esportes o não menos famoso Aldir Dudman que, esperto, preferia ter Juracy Vieira ao seu lado, no mesmo prefixo, que correr o risco de perder audiência, fato que aconteceria normalmente, tivesse o piauiense ingressado noutro prefixo da capital pernambucana. Na Rádio Olinda, Juracy começou a fazer parte da Cadeia Verde Amarela de Rádio e entrou definitivamente no “hall” da fama dos maiores narradores de futebol do Brasil.

 
Mas foi na Rádio Repórter de Recife, levado por Gilson Corrêa, que Juracy Vieira conquistou definitivamente espaço em meio e ao lado de feras como Oduvaldo Cozzi, Doalcei Bueno de Camargo, Geraldo José de Almeida, Fiori Giglioti, Ivan Lima – que tem lugar cativo entre os três maiores narradores de futebol do Brasil em todos os tempos – Jorge Cury, Waldir Amaral e até dos mais jovens como Osmar Santos, Dirceu Maravilha, José Silvério e Nilson César.

 
Com o final da Copa do Mundo de 1970 o rádio esportivo estava em êxtase. O regime político vigente dificultava ações e, embora fosse extremamente monitorado, o rádio tinha sua importância. E no Maranhão a importância do rádio não era diferente. Rádio Ribamar, Rádio Educadora, Rádio Difusora, Rádio Timbira, Rádio Gurupi brigavam pela audiência e, no esporte, onde as figuras de destaque eram Jafé Nunes, José Nunes, Fernando Souza, Luciano Silva, Osmar Noleto, Jota Alves, José Santos, Herbert Fontenele, Guioberto Alves, José Carlos de Assis, garantia o primeiro lugar quem tinha mais competência e ousadia.

 
E foi num rasgado gesto de ousadia que a Rádio Educadora trouxe de Recife o narrador Juracy Vieira. Para assinar contrato com a emissora do Clero, Juracy Vieira ganhou de “luvas” um Karmanghia e passou a fazer parte do time comandado por Oliveira Ramos. Narrador consagrado, Juracy passou a ser um dos mais altos salários do rádio esportivo maranhense.

 

A competência, a maturidade e, sobretudo, a vontade de vencer, levaram Juracy Vieira a procurar vôo mais livre. E ele aportou, ainda que provisoriamente, na Rádio Ribamar, fazendo dupla com o mineiro Luciano Silva numa equipe que ainda tinha Osmar Noleto, Herbert Fontenele e outros.

 
Em 1978, finalmente, Juracy Vieira chegou à Rádio Difusora para trabalhar na equipe chefiada por Fernando Souza e lá encontrou Carlos Alberto Lima Coelho, José Santos, Edy Garcia, Jota Alves, Luciano Silva, José Branco e até Adolfo Vieira.

 
E, na briga pela audiência, Juracy Vieira fez muitas diabruras. Como essa que aí segue:

 
“O JOGO QUE NÃO VI – Saímos de São Luís para transmitir o jogo em Caxias entre Sampaio Corrêa e Caxiense, pelo Campeonato Maranhense. Estava tudo certo e praticamente pronto para realizarmos um bom trabalho. Chegamos cedo a Caxias, pois o jogo começaria às 16h, por causa da falta de iluminação no estádio local. Fomos para um hotel, tomar banho e almoçar. O contato com a empresa de telefonia, para reserva de linha havia sido feito com bastante antecedência, o que nos tranqüilizava. Toda a crônica esportiva de São Luís estava lá para a cobertura do evento. Pela Rádio Difusora, eu e Juraci Vieira, um dos maiores profissionais da área que conheci.

 
Na hora certa, fomos ao estádio e constatamos que a nossa linha de transmissão não havia sido instalada. Aliás a de ninguém. O telefone mais próximo estava a 500 metros e era impossível trazer uma linha de lá para o estádio. Essa tarefa também não foi cumprida por ninguém. Todos nós teríamos que ver o jogo e dar o resultado pelo telefone do hotel ou de vez enquanto fazer boletins falando sobre o jogo. Juraci pensou diferente. Me olhou e disse:

 
– Compadre, vamos transmitir esse jogo?
– Vamos. Não sei como, mas topo a parada.
– Então é o seguinte: Você vai pegar meu carro, vai ao estádio, pega a escalação dos dois times, todos os detalhes, enquanto eu peço ao gerente do hotel para passar uma linha do telefone para o apartamento para a gente transmitir esse jogo. Entendeu?
– Claro!
– Então vá pegar as escalações e se prepare para comentar o jogo, homem.
– Tudo bem . . .

 
E assim fiz. Peguei o carro e me mandei para o estádio. Levantei a situação do gramado, do juiz e auxiliares, público, clima para o jogo e retornei ao hotel. O homem já estava no “ponto” pedindo ao estúdio em São Luís para rodar a vinheta de abertura da Jornada Esportiva. Entrou no ar e depois de todo aquele ritual característico na abertura da jornada me convocou para falar sobre as possibilidades do Sampaio sair com uma vitória, sobre o público e também sobre o juiz escalado para apitar o jogo. Falei tudo o que tinha anotado e voltei para o estádio. Quando a partida começou, retornei ao hotel e avisei que o jogo iniciara. Aí, começou também o meu trabalho de ida e vinda. Apesar de perto, levava uns três minutos para chegar ao local do jogo. O Sampaio venceu de dois a zero (não tenho certeza, pois passaram-se alguns anos). Na hora dos gols, eu não estava presente mas perguntava aos torcedores como havia acontecido e retornava para o hotel e fazia sinal que havia o gol. Juraci narrava a seu modo e logo depois eu entrava fazendo o papel de ponta de gol. Uma loucura.

 
Pelo menos infernizamos a vida de todos os cronistas que estavam lá e que não conseguiram trabalhar. Um ligou de uma residência para sua emissora e disse que não estávamos no estádio. Outro informava que havia dois loucos usando microfone para inventar um jogo que não estavam vendo. Na verdade foi um jogo fictício. Valeu pela criatividade, pelo improviso, pela vontade de querer fazer, mas erramos em não dizer que era um “serviço especial”.

 
Quando tudo terminou e os colegas chegaram ao hotel quiseram saber de onde transmitimos, se não fomos vistos no estádio e nem as linhas foram instaladas. Nossas explicações não foram convincentes e tenho certeza que somente agora alguns estão sabendo da verdade. (Carlos Alberto Lima Coelho – Show de Rádio)”.
Foi na Rádio Difusora, comandada pela família Bacelar, onde Juracy Vieira permaneceu mais tempo. Teve também uma rápida passagem pela Rádio São Luís e, atualmente, como membro vitalício da Academia Brasileira dos Maiores Narradores de Futebol, assiste de camarote os primeiros passos do filho Juracy Filho, na Rádio Capital. Porque escolheu isso. Certamente que poderia estar enriquecendo o rádio esportivo brasileiro trabalhando na Jovem Pan, na Globo, ou em qualquer das maiores emissoras de rádio do país. Talento tem de sobra para isso.

 

Foto de José De Oliveira Ramos Oliveira Ramos.

 

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