Recebi do Mestre Marco Aurélio o texto que repasso a todos, com a autorização do mesmo:

Olá, Professor, tudo bem? Agradecido pela sua apreciação, acerca das considerações e hipóteses, por mim arguidas, em trono da origem da Capoeira.
Quanto a divulgá-la no seu blog, pode ficar à vontade, para tanto.

repasso:

Olá, a toda/os  a/os Capoeiras , estudiosos e simpatizantes da arte,
Trago à baila algumas considerações que tenho acerca da origem da Capoeira, as quais compartilhei com um grupo na net, e, portanto, resolvi estendê-las com algumas pessoas e amiga/os. Tenho certeza da polêmica, na qual estou me inserindo, mas acho que já era hora de expor essas idéias, as quais espero contribuir com essa nossa luta-jogo-arte.
Abraços a toda/os!
 

 Antes de tudo, meu nome é Marco Aurelio, sou de São Luís/MA, aluno do Mestre Patinho, formado mestre, pelo mesmo, e estou à frente do Centro Matroá.

Inicio chamando a atenção para o fato de que muitos conhecimentos adquiridos pela humanidade, infelizmente, se deram durante períodos de guerra. E nesse sentido temos que o surgimento da Capoeira ocorreu em situação similar, cujo teatro de operações foi o Quilombo dos Palmares.

Em constante estado de guerra, vez que desde o seu surgimento, em 1603, até sua destruição, em 1695, ou seja, oficialmente, cerca de quase um século, Palmares enfrentou aproximadamente trinta e três expedições militares. É de se imaginar o esforço sobrecomum da população palmarina em resistir a tantas investidas, no qual percebemos entre vários motivos, a existência de uma forte liderança, a princípio com Ganga Zumba e sua mãe, e depois, por aquele que se encontra no panteão dos heróis brasileiros, Zumbi, e outro fator determinante, o fato de ter havido um ambiente interno em que prevalecia uma convergência de interesses tangida pela ânsia de viver-se em liberdade.

Mas, como era Palmares e como se constituía sua população? O Quilombo era formado por onze mocambos/povoações, sendo seis com nomes africanos, três de nomes indígenas e dois levavam nomes portugueses. A sua população era constituída, em sua grande maioria de africanos ou descendentes, seguidos de ameríndios, europeus e até judeus e muçulmanos.

A fama de Palmares ter sido uma República não é à toa, pois além de reunir várias cidades-estados, possuía uma diversidade de povos de uma mesma etnia ou etnias diferentes, entre os quais prevalecia o respeito, a solidariedade e o bem comum. Vale ressaltar que havia ódio e inimizades ancestrais entre os diversos troncos e nações africanas (bantus, cabindas, bossais, etc), indígenas (tupis, Jês, Guaranis…), bem como entre judeus e árabes, muito antes do surgimento do Quilombo, fato este, por mais significativo que fosse jamais abalou sua organização interna.

Uma vez em Palmares é certo que todos esses povos se impuseram um convívio pacífico, no que superaram preconceitos os mais variados possíveis, fossem de ordem moral, social, cultural, política, entre outros. Tanto assim que sobreviveu por quase um século ou mais, partindo do pressuposto que o Quilombo durou 92 anos, pois como já dito acima, a ânsia de viver em liberdade misturada aos interesses e objetivos de cada etnia ou povo fez com que Palmares se tornasse um dos baluartes civilizacionais do continente americano. Os ameríndios queriam tão-somente suas terras de volta, os africanos, o desejo e a esperança de voltarem à África e judeus, muçulmanos e europeus poderem professar sua fé ou viverem, livremente.  

Mas aonde se dá o surgimento da Capoeira nesse contexto? De que forma ocorre esse fenômeno cultural e como sobrevive aos dias de hoje? Vejamos! Muito embora a convivência pacífica interna, externamente, Palmares vivia sob pressão e em constante estado de guerra, e sob essas circunstâncias, pelo menos duas gerações nasceram e se criaram no Quilombo, partindo do pressuposto que a expectativa de vida naquela época era de trinta anos, tendo em vista as doenças tropicais, as feras selvagens e demais adversidades daquele ambiente. Assim, como tratamos acima, a situação impôs um comportamento sui generis à população palmarina, a qual para sobreviver tiveram que trocar saberes, conhecimentos, e entre os mesmos, conhecimentos e saberes guerreiros, necessários para a sobrevivência do enclave.

É nessa condição, da necessidade de troca de conhecimentos, que a nosso ver pode ter surgido a Capoeira, como uma convergência de saberes e conhecimentos guerreiros de inúmeros povos, sob hegemonia étnica, africana.

Como forma de ilustração, citamos dois exemplos, o primeiro a síntese de conhecimentos e saberes ancestrais dos povos do Alto Xingu, cujas tribos que hoje compõem a área do Parque Nacional, ainda no século XIX eram inimigas históricas, conforme os relatos expedicionários dos naturalistas e exploradores alemães Johann Von Spix e Carl Von Marthius, que em suas andanças pelo país descreveram a realidade desses povos naquele período, no entanto, por uma questão de sobrevivência criaram laços fraternais e culturais, dos quais resultaram em uma das belas artes em cerâmica contemporânea, bem como o Quarup, e junto com este, o Uka-uka, um ritual onde os guerreiros de várias tribos desenvolvem e demonstram suas habilidades guerreiras. E aí, a pergunta, será que a Capoeira não foi fruto de uma soma conhecimentos de lutas de vários povos e etnias, tendo como base o saberes africanos, seguidos em menor monta de conhecimentos guerreiros ameríndios, e ainda em menor contribuição, de conhecimentos semitas? O outro exemplo que trazemos à lume é no que tange à cultura popular maranhense, de uma riqueza ímpar, capaz de manter vivos, ainda hoje, saberes ancestrais, traz consigo a força e a potência, nos tambores e na percussão, em geral, das raízes africanas, no movimento miúdo dos pés, em sua maior expressividade e sutileza, a influência ameríndia, e por último o guarda-roupa, onde através do brilho dos canutilhos, miçangas, estamparia e imagens, observa-se a herança européia, como no caso do bumba-meu-boi, não obstante em cada uma dessas expressões estéticas há maior ou menor contribuição de uma e de outra etnia/povos, outro exemplo é o Congado, originário do Quilombo de Frechal, município de Mirinzal/MA, cujo enredo, eminentemente africano, tem-se a participação de dois personagens indígenas. Por último, o tambor de crioula, em 2007 consagrado à condição de patrimônio cultural brasileiro, um folguedo genuinamente afromaranhense, no seu bailado é possível notar, seja no ritmo compassado ou frenético dos tambores, o passo miúdo das coreiras, no qual observamos a herança indígena, assim é no reggae dançado por estas bandas e por aí vai.

Diante do exposto é possível que o leitor esteja se perguntando, mas como a Capoeira tendo sofrido outras influências culturais é tida como influência eminentemente africana? Deixamos claro que sendo palmarina como acreditamos que seja a Capoeira, de qualquer forma teve maior contribuição na sua formação, da influência africana.

Outra pergunta é que se de fato a Capoeira é palmarina, porque não há vestígios a respeito? Para essa questão, a resposta que formulamos é que tendo Domingos Jorge Velho recebido grande soma em dinheiro, armamentos, logística, poder de negociar com os senhores de escravos aprisionados, carta branca para combater Palmares, ao Bandeirante só interessava vivo, o negro, pois que era o único que nessa condição valia mais riqueza, do que morto. Quanto ao índio, este, como à época, não era permitido tornar-lhe cativo, representava tão-somente um estorvo em caso de deixá-lo vivo, uma vez que só daria mais trabalho, quando de novas incursões dos bandeirantes continente adentro aqueles certamente os combateriam, por último os portugueses, judeus e muçulmanos, não significavam nada para a Coroa Portuguesa, e muito menos aos bandeirantes, vez que os primeiros eram criminosos ou marginais para a Coroa, e os dois últimos, não passavam de hereges ou infiéis, perante a Igreja Católica, religião oficial, bem como dos expedicionários. De tal sorte, que quem levaria consigo todo o conhecimento e cultura elaborados e realizados em Palmares foi, na verdade, os negros sobreviventes, os quais uma vez nas senzalas disseminaram tais saberes, ficando como se africano fossem.

Há que se enfatizar, para que não haja interpretação equivocada, que não olvidamos os conhecimentos africanos oriundos de África, os quais perpassados em quilombos e senzalas, hoje, são frutos únicos, da ancestralidade dos povos de África. A questão que levantamos é tão-somente em relação à Capoeira, como sendo uma possibilidade de um dos muitos conhecimentos que podem ter vindo com os negros sobreviventes de Palmares, e uma vez disseminado através das senzalas, ficou como se africano ou descendente fosse.

É com o intuito de homenagear e reconhecer o índio como partícipe na origem da Capoeira, que demos ao nosso Centro de Capoeira o nome Matroá, um dos líderes de uma das maiores insurreições populares ocorridas no Brasil, a Balaiada, com maior força no Maranhão, mas estendendo-se pelo Piauí, e com repercussão até no Ceará. Liderança indígena, Matroá esteve à frente de inúmeros outros índios, assim como Negro Cosme comandou mais de três mil quilombolas insurretos, os quais, juntamente com outras lideranças, caboclas e brancas, que sem um comando centralizado chegaram às portas de São Luís. As causas da insurreição apontavam para diversos desmandos por parte dos governantes da época contra o povo maranhense, desmandos esses, que até hoje se perpetuam cruelmente, desta feita, personificados pela oligarquia Sarney, que há mais de quarenta anos age como sanguessuga do povo maranhense.

Temos que os povos ameríndios contribuíram de maneira relevante, tanto sob o ponto de vista histórico, como social e cultural na formação do povo brasileiro, muito embora tais saberes tenham sido disseminados de forma sutil na sociedade brasileira, e esta, em sua grande maioria não se dá conta, diferentemente dos costumes e saberes de predominância africana ou européia, os quais mais facilmente identificados.

Um grande Axé, a toda/os.

Mestre Marco Aurelio.

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