Ontem, estive reunido com o Vice-Governador, Washington Luiz, e o Secretário Max Barros. Acompanhava Ricarte Almeida (Caritas), Cecília Amim e Helena Heluy (Comissão de Justiça e Paz), OAB-MA, e nosso querido Dom Belisário. Do outro lado da mesa, o Max, alguns auxiliares, o arqueólogo Dr. Arkley Bandeira (hoje, a maior referencia maranhense em arqueoloogia), o Deputado Roberto Costa (meu companheiro de esteira na Viva Água).
Entrei a convite do Washington, como “voz” da Comunidade do Vinhais Velho – junto com o Ricarte, escoltados por Dom Belisário -; ruídos na comunicação não permitiram que os representantes dos moradores paticipassem do encontro. Compreenderam e aceitaram que falássemos em seu nome, na defesa de seus direitos. Fiquei emocionado com a confiança em mim depositada…
Esta foi a quarta reunião entre o Governo e os Moradores do Vinhais Velho, com a interveniencia de vários entes – Arquediocese, Cáritas, IHGM, Comissão dos 400 anos da Igreja de São João Batista e da Vila de Vinhais Velho, Comitê dos Amigos do Vinhais Velho, OAB-MA.
O Estado queria ouvir as reinvindicações dos Moradores; os Moradores queriam ouvir as propostas do Estado. Dos moradores, o desvio da Via Expressa; do Governo, a manutenção do traçado, e as compensações pela destruição do que já foi destruido, sobretudo o patrimonio arqueologico, devido ao açodamento em iniciar a obra.
Ambas as partes expuseram suas alegações. Mas a decisão final, foi deixado bem claro, é daqueles moradores diretamente atingidos, com a desapropriação de seus lares , e da Comunidade, haja vista a interverencia em seu modo bucolico de vida, que certamente a Via Expressa irá provocar, com o corte ao meio da Vila Velha.
Uma das propostas – aceita pelo Estado – foi a da contituição imediata do Museu Comunitário da Vila Velha de Vinhais. Onde aquilo que foi encontrado – e ainda será desencavado – permaneça na Vila; que seja um museu vivo, dinamico, que mantenha no proprio local esse pedaço importante da História do Maranhão. A seguir, um melhor entendimento do que seja o Museu que esperamos:
O MUSEU COMUNITÁRIO DA VILA VELHA DE VINHAIS
LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ
Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
”todo espaço realmente habitado traz a essência da noção de casa” – BACHELARD, 2005[1]
José Cláudio Alves de Oliveira (2007) explica que museu é um espaço que guarda o acúmulo do patrimônio cultural, e deve propiciar condições para a descoberta e a compreensão da obra do homem. Partindo da premissa de que o museu é também o espaço para o conhecimento e a reflexão, a sensibilidade, o respeito, a beleza, o passado, o presente e o futuro; e que um museu comunitário: [...] tem a proposta de um espaço social de encontro em torno do patrimônio como gerador de sentido da população local e circunvizinha, verificando suas múltiplas funções sociais, onde se devem fomentar os processos de identificação cultural e de melhoramento da qualidade de vida dos grupos sociais [...] e não depende do espaço amplo, mais extensivo geograficamente.
De acordo com Scheiner (s.d.) [3], o museu tradicional é originado do gabinete de curiosidades em que se guardavam objetos aleatoriamente que não apresentavam relação aparente entre si. Este modelo se desenvolveu na Europa até servir de base para a organização dos grandes museus. Esta forma de museu foi se desenvolvendo principalmente ao longo do século XVIII até se concretizar como a instituição museu no início do século XIX. Durante o século passado, o processo de institucionalização do museu tradicional resultou no modelo hoje mais conhecido no Ocidente.
Novos modelos de museu irão expressar a mudança de sentido pela qual passa o museu – que antes era orientado para o objeto e agora se volta para a sociedade e as experiências individuais, caracterizando o que alguns chamaram de “museu social” [4]. Não demoraria para que mais alguns passos fossem dados e se chegasse à tipologia do ecomuseu[5]. Segundo Clair (1976)[6], o ecomuseu prolonga e reforça as diversas formas de atividade museológica, acrescentando-lhes uma abertura original nunca vista antes. Como lembra o autor: Museu do espaço e museu do tempo, ele se ocupa de apresentar, por sua vez, as variações de diversos lugares num mesmo tempo, de acordo com uma perspectiva sincrônica, e as variações de um mesmo lugar em diversos tempos, de acordo com uma perspectiva diacrônica.[7]
Um dos marcos do estabelecimento das novas idéias se deu em Santiago, no Chile, em 1972, na Mesa Redonda que abordou os problemas dos museus na América Latina. O que ficou definido, porém, na tentativa de se pensar um ‘museu ideal’ para a região, foi o modelo de um museu integral, que se preocupasse de forma total com o indivíduo humano[8]. Como uma evolução dos museus tradicionais nos Estados Unidos, que se desenvolvem, nos guetos negros de Nova Iorque e Washington, os ‘neighborhood museums’ – ‘museus de vizinhança’ – cujas funções tradicionais passam a estar voltadas para a vida das pessoas da vizinhança, de forma que expliquem quem elas são, de onde vêm, o que conquistaram, quais são seus valores e suas necessidades[9]: Esta proposta estava fundada na vontade daquela comunidade de conhecer a sua própria história e a história do meio em que vivem seus habitantes. A participação é incentivada e indispensável na concepção do museu. Este, embora existente fisicamente na forma de um museu tradicional, com exposições sempre renovadas, tem a sua área de atuação ampliada, interagindo com e valorizando todos os tipos de atividades locais, festas típicas, eventos religiosos, encontros da terceira idade para a leitura de poesia, de maneira a integrar verdadeiramente a vida dos residentes. O museu se torna um catalisador da evolução social, com suas ações focadas no cotidiano. ( SOARES e SCHEINER, s.d.)
Retonando Oliveira (2007), o museu comunitário verifica, em primeiro plano, uma história hodierna da comunidade que ocupa o território, buscando as raízes do passado e os laços e produções culturais para a preservação do patrimônio e atividades que possam perpetuar o fazer artístico, a história cultural e as produções econômicas.
Ou, como ensina Cortés (2001): De esta manera, el carácter social de los bienes patrimoniales con historias familiares y personales, refuerza los lazos comunitarios y el cómo la propia comunidad va definiendo sus propias políticas de gestión cultural y de desarrollo local, en relación con el manejo de los recursos culturales, naturales, patrimoniales y turísticos.[10]
Nesse sentido o museu comunitário se apresenta como um espaço onde se pode agendar compromisso de reorganizar o patrimônio, transformando-se em um centro de gestão cultural com encontros e diálogos, como um dinamizador do entorno comunitário, sendo a instância onde convergem os distintos atores culturais e fomenta a exploração, o descobrimento, as trocas intelectuais e as renovações[11].
El museo lo entenderé como “un espacio donde la comunidad guarda y se encuentra con la memoria de su pasado, con su presente y se proyecta al futuro, siendo un espejo del quehacer (espiritual, social, económico, político y artístico) de las comunidades y lugares donde este patrimonio se resignifica” (DIBAM, 1999 apud CORTÉS, 2001) [12]
Para Carvalho (1992) [13], os museus comunitários advêm os museus didáticos comunitários, que são “uma tentativa de superar as barreiras até hoje existentes, em nossos países, entre comunidade e técnicos”, pois “[...] muitas pessoas concordam com a idéia de que os museus são elitistas, já que a maioria está feita e dirigida para a classe dominante e, por isso, seus textos, sua linguagem, sua mensagem é inteligível ao povo, que passa a encará-los como algo obsoleto. O operário, o camponês, o indígena, enfim, as classes marginalizadas do processo histórico cultural têm pelas condições de vida oferecidas a eles, uma visão prática das coisas”. (p. 5).
Para Lersch e Ocampo (2004) [14] o museu comunitário é uma ferramenta para a construção de sujeitos coletivos, enquanto as comunidades se apropriam dele para enriquecer as relações no seu interior, desenvolver a consciência da própria história, propiciar a reflexão e a crítica e organizar-se para a ação coletiva transformadora.
[...] o museu comunitário é uma ferramenta para que a comunidade construa um auto-conhecimento coletivo. Cada pessoa que participa selecionando os temas a estudar, capacitando-se, realizando uma entrevista ou sendo entrevistado, reunindo objetos, tomando fotografias, fazendo desenhos, está conhecendo mais a si mesmo e ao mesmo tempo está conhecendo a comunidade à qual pertence. Está elaborando uma interpretação coletiva de sua realidade e de sua história.
Assim, para esses autores[15], o museu comunitário propicia a criação coletiva toda vez que oferece uma oportunidade às pessoas que participem dos processos coletivos para expressar suas histórias de sua própria maneira. A pessoa criativa não aceita soluções dadas, busca inventar novas formas de abordar sua realidade e o museu comunitário é um espaço de organização para impulsionar novas propostas e projetos comunitários.
Suas coleções não provêm de despojos, mas de um ato de vontade. O museu comunitário nasce da iniciativa de um coletivo não para exibir a realidade do outro, mas para defender a própria. È uma instância onde os membros da comunidade livremente doam objetos patrimoniais e criam um espaço de memória[16].
Em um museu comunitário o objeto não é o valor predominante, mas sim a memória que se fortalece ao recriar e reinterpretar as histórias significativas. Ansaldi nos assinala, “nada pode viver com uma brutal amputação da memória”, quer dizer, não podemos recordar-nos de quem somos não podemos ser sujeitos, sem recriar e elaborar nossa própria memória. Assim, os membros da comunidade utilizam o museu comunitário para recriar como eram as coisas antes, para reviver eventos e práticas que os marcaram. Porém o museu também é um instrumento para analisar a memória, para reinterpretar o passado e discernir o aprendizado de experiências anteriores. (LERSCH e OCAMPO, 2004)
Num dicionário, a etimologia da palavra patrimônio é oriunda do latim e significa patrimonìum, relativo à patrimônio, bens de família, herança; posses, haveres; e completa com uma das acepções, que é a do bem ou conjunto de bens naturais ou culturais de importância reconhecida num determinado lugar, região, país ou mesmo para a humanidade, que passa(m) por um processo de tombamento para que seja(m) protegido(s) e preservado(s)[17].
Assim, o museu comunitário é um processo, mais que um produto e, como ensinam como Lersch e Ocampo (2004): Combina e integra processos complexos de constituição do sujeito coletivo da comunidade, através da reflexão, auto-conhecimento e criatividade, processos de fortalecimento da identidade, através da legitimação das histórias e valores próprios; processos de melhoramento da qualidade de vida, ao desenvolver múltiplos projetos no futuro, e processos de construção de forças através da criação de redes com comunidades afins. É um processo coletivo que ganha vida no interior da comunidade e por isso podemos afirmar que é um museu “da” comunidade, não é elaborado fora “para” a comunidade. O museu comunitário é uma ferramenta para avançar na autodeterminação, fortalecendo as comunidades como sujeitos coletivos que criam, recriam e decidem sobre sua realidade.
O museu comunitário é uma opção que contribui para controlar o futuro das comunidades por meio do controle de seu passado. È um instrumento para que as instâncias de decisão comunitária exerçam poder sobre a memória que alimenta suas aspirações de futuro.
[1] BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 25.
[2] OLIVEIRA, José Cláudio Alves de. O Patrimônio Total: dos Museus Comunitários aos Ecomuseus. Revista Museu, edição brasileira, 2007, ISSN 1981-6332, acessado em 25/02/2012, disponível em http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12673
[3] SCHEINER, T. C. Repensando o museu comunitário. Texto inédito, citado por SOARES, Bruno C. Brulon Soares e SCHEINER, Tereza C. M. A ASCENSÃO DOS MUSEUS COMUNITÁRIOS E OS PATRIMÔNIOS ‘COMUNS’: UM ENSAIO SOBRE A CASA. http://uff.academia.edu/BrunoBrulon/Papers/738384/A_ascencao_dos_museus_comunitarios_e_os_patrimonios_comuns
[4] CRUZ-RAMIREZ, Alfredo. Heimatmuseum: une histoire oubliée. Museum. Images de l’ecomusées, Paris, UNESCO, n.4 / 148, v.XXXVII, p.241-244, 1985, citado por SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[5] O ‘ecomuseu’, na museologia atual, é reconhecido como um tipo específico de ‘museu comunitário’, sem que os dois termos se confundam, já que museus de diversas tipologias podem ser caracterizados como comunitários, dependendo da maneira pela qual são concebidos. Museu comunitário, para André Desvallés, é o museu no qual a comunidade não é apenas tema ou público, mas é também ator. DESVALLÉS, André. Identity. A few problems raised by the identity definition and the way the museum deals with the theorethical and practical questions raised by it. In: ICOM. ISS: ICOFOM STUDY SERIES, n.10, 1986, passim. citado por SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[6] CLAIR, Jean. Les origines de la notion d’ecomusée. Cracap Informations, n.2-3, p.2-4, 1976, citado por SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[7] CLAIR, 1976, citado por SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[8] SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[9] KINARD, John R. e NIGHBERT, Esther. The Anacostia Neighborhood Museum, Smithsonian Institution, Washington, D.C. Museum. The fine arts museum of Expo’70, Osaka. Paris, UNESCO, v. XXIV, n. 2, p.103-108, 1972. citado por SOARES e SCHEINER, (s.d.)
[10] CORTÉS, Ana Esther Guevara. Conceptos claves: museo comunitario, patrimonio – identidad local, turismo cultural, gestión cultural. Disponible en: http://rehue.csociales.uchile.cl/antropologia/congreso/s1101.html.
[11] OLIVEIRA, 2007, disponível em http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12673
[12] CORTÉS, 2001. Disponible en: http://rehue.csociales.uchile.cl/antropologia/congreso/s1101.html.
[13] CARVALHO, Ione. Os museus didático-comunitários: fortalecimento da identidade cultural e sua função social hoje. In: Interdisciplinary and Complementarity in Museum Education work and School Programmes. Copenhagen: UNESCO/ICOM, 1999.
[14] LERSCH, Teresa Morales; e OCAMPO, Cuauhtémoc Camarena. O conceito de museu comunitário: história vivida ou memória para transformar a história?”IN Conferencia Nacional de la Asociación Nacional de Artes y Cultura Latinas, Kansas City, Missouri, 6-10 octubre, 2004. disponível em http://www.abremc.com.br/pdf/5.pdf
[15] LERSCH e OCAMPO, 2004
[16] LERSCH e OCAMPO, 2004
[17] Disponível
http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=patrim F4nio&stype=k&x=7&y=6
http://www.revistamuseu.com.br/18demaio/artigos.asp?id=12673
sáb, 25/02/12 por leopoldovaz | categoria A VISTA DO MEU PONTOComentários
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