CADERNOS VIVA ÁGUA

O PLANEJAMENTO DO TREINAMENTO

por

Pedro Herrera

(Convênio Brasil-Cuba de Natação)

tradução de

Leopoldo Gil Dulcio Vaz,

Oswaldo Telles de Sousa Neto e

Denise Martins de Araújo

São Luís - Maranhão

Janeiro de 1997

 

 

O PLANEJAMENTO DO TREINAMENTO

 

PEDRO HERRERA *

 

 

 

1. Introdução:

 

Independentemente do que é tratado na literatura desportiva, consideramos importante valorizar a experiência  acumulada de nosso coletivo durante estes anos. A partir desta podemos afirmar que, se em algum aspecto se tenha manifestado constantemente, tem sido a correção sistemática dos microciclos em dependência das situações imprevistas que se tenham apresentado; dito de outra forma, temos que ser analíticos diariamente  em tudo o que fazemos na medida em que um plano se executa, os atletas irão se desenvolvendo e, por isso mesmo, nem sempre este plano se comporta exatamente igual como quando foi concebido em seu início.

 

As concepções para planejar não diferem em muito quanto à ordem que se planeja em teoria, quanto à forma de sua execução, podem haver diferenças. Dentro de um número considerável de aspectos a se ter em conta para o planejamento de um ano, encontramos:

 

  • nível do grupo
  • tempo disponível
  • velocidade de nado
  • volumes cumpridos
  • quantidade de microciclos (de acordo com a quantidade de competições, se deve fazer as menores possíveis
  • objetivo para cada capacidade
  • intensidades a atingir em cada capacidade (valorizar as características funcionais/idades)

 

 

 

2. Para planejar:

 

 

Como foi exposto anteriormente, a partir desde momento que se começa a considerar os seguintes aspectos:

 

  1. definir a quantidade de semanas que terá o macrociclo ou os microciclos, aspecto básico em todo planejamento, tomando sempre como ponto de partida as competições fundamentais e de passagem;

 

----------------------------------------

* Professor de Educação Física, especializado em natação infantil; Técnico da Escola de Natação Viva água (Convênio Brasil-Cuba).

 

  1. ordenar as capacidades semanais tomando como base o objetivo essencial de cada etapa e ordenando-as de acordo com a estrutura do macrociclo e do objetivo final;

 

  1. quilometragem atingida em cada capacidade para assim poder estruturar a semana e o objetivo fundamental;

 

  1. levar uma dinâmica em acordo com o anteriormente exposto e uma seqüência lógica quanto às capacidades mais importantes e de mais quilometragem às menos importantes e de menos quilometragem

 

Havendo todos estes elementos,  se seguem os passos correspondentes com a estrutura organizativa que se deseje desenvolver. Exemplificando:

 

Primeiro passo: no primeiro passo se organizam as semanas que leva o macrociclo com suas respectivas competições de passagem e fundamentais

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Volume

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MVO2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rapidez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

 

Sendo: RI - resistência aeróbica 1 ou umbral aeróbio;

            RII - resistência aeróbica 2 ou umbral anaeróbio;

            MVO2 -  potência máxima aeróbica (máximo consumo de oxigênio).

            RL - resistência lactácida

            TOL - tolerância ao lactato

            Comp. - competição

 

Segundo Passo: ordenamento das capacidades:

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

RI

RII

RII

RII

MVO2

MVO2

RL

RII

MVO2

RL

TOL

CF

Volume

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MVO2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rapidez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

 

Terceiro Passo: volume geral por semanas:

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

RI

RII

RII

RII

MVO2

MVO2

RL

RII

MVO2

RL

TOL

CF

Volume

70

65

65

60

55

55

50

65

55

45

40

30

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MVO2

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rapidez

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

 

 

Quarto Passo: picos importantes em cada capacidade:

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

RI

RII

RII

RII

MVO2

MVO2

RL

RII

MVO2

RL

TOL

CF

Volume

70

65

65

60

55

55

50

65

55

45

40

30

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

 

20

22

18

 

 

 

16

 

 

 

 

MVO2

 

 

 

 

4,8

3,2

 

 

3,2

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

1

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0,4

 

Rapidez

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

 

 

Quinto Passo: rellenar por capacidade - tomando como exemplo RII:

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

RI

RII

RII

RII

MVO2

MVO2

RL

RII

MVO2

RL

TOL

CF

Volume

70

65

65

60

55

55

50

65

55

45

40

30

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

6

20

22

18

2

2

-

16

2

-

-

-

MVO2

 

 

 

 

4,8

3,2

 

 

3,2

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

1

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0,4

 

Rapidez

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

 

Sexto Passo: neste passo se restam todas as capacidades por semanas e a diferença se agrega à RI:

 

 

 

Sétimo Passo: se procede a colocar os testes pedagógicos:

 

SEMANAS

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

Capacidade

RI

RII

RII

RII

MVO2

MVO2

RL

RII

MVO2

RL

TOL

CF

Volume

70

65

65

60

55

55

50

65

55

45

40

30

Intensidade

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RII

6

20

22

18

2

2

-

16

2

-

-

-

MVO2

 

 

 

 

4,8

3,2

 

 

3,2

 

 

 

RL

 

 

 

 

 

 

1

 

 

 

 

 

TOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

0,4

 

Rapidez

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

1

Comp. Passagem

 

 

 

x

 

 

 

 

x

 

 

 

Comp. Fundamental

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

x

Testes Pedagógicos

 

 

 

x

 

 

 

x

 

 

 

 

 

 

Como podemos observar, a concepção de um plano de treinamento é uma execução lógica  de idéias levadas ao papel de uma forma gráfica, dando-lhe a importância que requer cada capacidade. Sem uma planificação acertada e precisa, não se pode organizar nenhum processo pedagógico e menos um plano com vistas a atingir altos resultados desportivos.

 

O plano de treinamento é concebido para que se modifique, se façam as adequações e se troque tantas vezes como as afetações lógicas de todo processo o requeiram. Em correspondência com o conhecimento que os treinadores adquirem, assim serão os resultados que se alcancem. 

 

 

 

3. Controles do processo de treinamento

 

Durante quase 60 anos, os fisiólogos do exercício se interessaram pelos controles mais exatos para diagnosticar o estado funcional do desportista.

 

A resposta do lactato no sangue durante o exercício tem sido visto como uma variável de medição de rotina em condições de laboratório e por conseguinte  a mais exata das que se avaliam. Nas últimas décadas, no controle médico da natação, se tem utilizado como parâmetro de  muita importância os níveis sangüíneos de ácido láctico e de uréia.

 

Alguns tipos de atividade, como natação, corridas, remo, etc., podem sobrecarregar os processos anaeróbicos em grande medida quando se realizam a um nível de intensidade programado.

 

A sensação de esforço depende em grande medida da rapidez com que um glucogenio se degrada até formar ácido láctico (ASTRAND & RODHAL, 1986). Na execução do trabalho dos nadadores, onde a intensidade sobrepassa a oferta de oxigênio, se produz a elevação de forma significativa da concentração de lactato no sangue portanto sua medição permite conhecer o estado metabólico (esfera funcional), a capacidade láctica em forma geral, estabelecer o nível de rendimento ao aplicar diferentes cargas físicas, assim como prognosticar resultados.

 

JERVELL, em 1929, foi o primeiro a descobrir a relação curvilínea do lactato em correspondência  com a intensidade de trabalho durante o exercício. Ao final da década de 60, a antiga RDA começou a usar o ácido láctico como um parâmetro de exercício em desportes de resistência, sendo os pioneiros na natação.

 

MARGARIA (1965) demonstrou como a concentração de ácido láctico no sangue aumenta linearmente com a duração do exercício.

 

            Sem dúvidas, as décadas de 80 e 90 têm marcado um tento no progresso dos rendimentos desportivos em muitas disciplinas entre as quais se destaca a natação. Neste desporte, um dos que mais adeptos e espectadores atrai em torneios de nível olímpico e mundial, é onde se observa níveis de rendimento competitivos extraordinários, os quais são produto inegavelmente da ciência aplicada ao desporte de forma racional, individual e objetiva de cargas de treinamento, as quais somente podem ser eficazes quando se realiza um controle constante das respostas adaptativas do organismo às demandas do treinamento mesmo.

 

Os propósitos fundamentais para os quais se realiza o controle do lactato no sangue são:

 

  1. determinar o desenvolvimento da resistência aeróbica e anaeróbica que pode ocorrer durante o cumprimento de cada uma das etapas do treinamento;
  2. determinar as velocidades mínimas requeridas para incrementar as velocidades em cada uma das capacidades;
  3. Prognosticar resultados desportivos em competições fundamentais.

 

                               TABELA DE CONTROLE DE CAPACIDADES TENDO EM

                               CONTA SEU GASTO ENERGÉTICO

                               TRADUZIDO EM MILIMOLES/LITRO

 

CAPACIDADE

MM/L

PROCESSO

RI

2-3

Aeróbico

RII

4-6

Aeróbico

MVO2

7-9

Potência Aeróbica

RL

10-12

Anaeróbico

TOL

12

Anaeróbico

 

 

                               TEMPO DE MEDIÇÃO EM CADA UMA DAS CAPACIDADES

                               DEPOIS DE UM ESFORÇO

 

CAPACIDADE

TEMPO DE MEDIÇÃO

PROCESSO

RI

Imediato

Aeróbico

RII

ao minuto

Aeróbico

MVO2

2:30´-3:00´

Potência Aeróbica

RL

3:30´-4:00´

Anaeróbico

TOL

4:00´-7:00´

Anaeróbico

 

 

 

 

 

3.1. Como diagnosticar as velocidades de nado ? 

 

Em todo processo de treinamento o princípio da individualização é o mais importante, daí partimos se se querem atingir altos resultados desportivos. O lactato é o único meio conhecido a partir do qual se pode diagnosticar individualmente a que velocidade deve nadar o atleta em cada uma das capacidades com uma margem de erro mínima.

 

Lógico que isso requer tempo e experiência por parte do treinador. Para um melhor entendimento, incluiremos uma tabela para se recorrer quanto deve ser o incremento de tempo, de acordo com as diferentes distâncias que normalmente se treina, e para isso tomaremos por base uma prova de 200 metros na capacidade de RI como parâmetro:

 

Nome:

Rodolfo Falcón

Estilo:

Costas

Distância:

200 metros

Tempo realizado:

2:32:00

Lactato:

3,16 mml/l

Velocidade x 100:

1:16

 

 

Para desenvolver a capacidade RI:

 

Distância

Velocidade x 100

Resto ou soma

Tempo a realizar

100

1.16

-2

1:14

200

1.16

-

2:32

300

1.16

+6

3:54

400

1.16

+8

5:17

500

1.16

+10

?

800

1.16

+16

?

1500

1.16

+32

?

 

Para desenvolver a capacidade de RII:

 

Distância

Velocidade x 100

Resto ou soma

Tempo a realizar

100

1.16

-3

1:13

200

1.16

-4

2:28

300

1.16

-6

3:48

400

1.16

-8

5:04

500

1.16

-10

?

800

1.16

-16

?

1500

1.16

-32

?

 

 

Todas estas tabelas foram elaboradas com as experiências de anos em que a habilidade do treinador tem um papel fundamental porque nisto tem incidência dois fatores: a duração da série a pausa.

 

 

 

 

3.2. UREIA (controle sérico)

 

Outro controle que tem sido objeto de investigação é a determinação da uréia sangüínea (metabolização final da degradação das proteínas) por sua importância como indicador da suportabilidade das cargas físicas e para valorizar a recuperação do atleta às cargas.

 

Os aminoácidos constituem a unidade estrutural e funcional das proteínas. Sua função é fundamentalmente estrutural como elemento plástico e de funções enzimáticas entre outras. Como substrato energético ocupam uma terceira ordem depois dos carbohidratos e dos lipídios, portanto sua utilização predominante somente se efetua logo após esgotar-se as reservas destas e sua utilização nos dá a medida de quanto custa ao organismo do atleta a realização de determinada atividade tanto em volume como em intensidade.

 

Esta energia é aportada pela glucogênese que tem entre seus catabolitos o amoníaco, o qual é tóxico para o organismo e por determinadas reações é transformado em uréia, que é uma forma não tóxica mediante a qual é expulsa.

 

As causas fundamentais do aumento da uréia são:

 

  1. por trocas renais
  2. altas cargas de treinamento em volumes e intensidades
  3. déficit de substratos energéticos
  4. estresse psíquico e físico
  5. fatores nutricionais

 

Valores normais de uréia em atletas: entre 5,5-7,5 mml/l

 

  • 5,5 : se denomina zona baixa e corresponde a processos de treinamento pouco estimulantes
  • 6,5 : processo de aquisição de novas capacidades
  • 7,5: nível alto de cansaço e pouca assimilação e recuperação das cargas do treinamento. Neste nível não se deve treinar com altas cargas mais de dois dias consecutivos, se deve cuidar dieta e descanso

 

Os dias em que se deve tomar mostras de uréia são segundas, quartas e sextas . Se não houver essa possibilidade, se devem tomar então segundas e sextas.

 

 

Tradução de:

Leopoldo Gil Dulcio Vaz - professor do CEFET-MA;

Oswaldo Telles de Sousa Neto - professor do CEFET-MA; sócio-proprietário e Diretor Técnico da Escola de Natação Viva Água;

Denise Martins de Araújo - sócia-proprietária e Diretora Pedagógica da Escola de Natação Viva Água.

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