“BREVE DESCRIÇÃO DAS GRANDES RECREAÇÕES DO RIO MUNI DO MARANHÃO, pelo Padre João Tavares, da Companhia de Jesus, missionário no dito Estado, ano 1724”. [1]

por LEOPOLDO GIL DULCIO VAZ (Professor de Educação Física; INSTITUO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO MARANHÃO; ACADEMIA LUDOVICENSE DE LETRAS)

DELZUITE DANTAS BRITO VAZ (Professora de História – CEM “LICEU MARANHESE”)

A origem da lenda da serpente está em um documento escrito pelo padre João Tavares, jesuíta, quando de sua viagem para o interior da Ilha.

 

“Não é alheio dessa relação, nem de fim dela, dizer que tem esta Ilha do Maranhão a forma de uma cobra em arco, cuja cauda é a ponta de areia onde está até a Fortaleza da barra, e cuja cabeça é aquele negro boqueirão o qual está olhando para a  cauda por entre cuja cauda e cabeça entram para o ventre desta Serpente, onde está situada a Cidade do Maranhão: serve de crista postiça a esta cobra a Ilha das Cobras, por entre a qual e o boqueirão tão medonhamente passamos a buscar a terra firme. Esta fazendo ponta em Itaculumin, dá um cerco a aquela cobra de trezentas e tantas léguas na minha estimação até a ponta do Mearim; Meari Itaculumin são duas pontas da grande meia lua que faz a terra firme para dentro deste meia-lua absorvem a cobra, ou Ilha do Maranhão para  cujo efeito abre a terra firme set horrorosas bocas dos sete famosos Rios que  deságuam ao redor da Ilha do Maranhão: para a parte da cabeça até as costas da cobra lança a terra firme os quatro maiores Rios, convém a saber: Pinaré que para Ter mais força deságua unido com o Meari, Itapecurú, Muni; destes quatro rios não sabemos a nascença ainda dos três primeiros; para a frente do meio da cobra, até a cauda, lança a terra firme três deliciosos rios;  convém a saber Tutuaba, Anajatuba, Periá, destes três sabemos as nascenças, mas de nenhum dos sete sabemos os haveres dos seus incultos exteriores. Só sabemos serem habitados por homens, feras, ferozes; serem de terras pingues cercados para fora de amenas e férteis campinas sobremodo as quais = fluunt Lacte et mele = sem exageração; sertões frios, e por isso sadios.

 

SOBRE JOÃO TAVARES [1]

 

Clóvis Ramos (1986; 1992) [2] ao analisar o surgimento da imprensa no Maranhão, afirma ser jornalista o magnífico João Tavares com sua Informação das recreações do rio Munim do Maranhão. Em seu roteiro literário do Maranhão (2001) [3]·, refere-se a João Tavares como:

“… cronista, professor de humanidades e filosofia, missionário. Padre da Companhia de Jesus, nascido no Rio de Janeiro a 24 de setembro de 1679, chegado ao Maranhão, e catequizando índios, os tremembés, arrebanhou-os em aldeias, fundou a cidade de Tutóia. Faleceu no Maranhão em onze de julho de 1744. Deixou manuscritos valiosos, interessado em explicar, também, o nome Maranhão e o fenômeno das pororocas, que o fascinava. No Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão de César Marques, no verbete Maranhão, vem mostrado como um escritor original, de prosa poética. (RAMOS, 2001, p. 3-4).

 

Já o sociólogo Rossini CORRÊA (1993)[1], comenta uma carta de João Tavares a um superior seu – seriam as “Breves descrições…” ? -, descrevendo a paisagem da Ilha de São Luís, ante a chegada possível de missionários europeus ao Maranhão. Afirma que aqueles religiosos deixariam as delícias da Itália, não pelos trabalhos, mas pelas recreações do Maranhão, conforme consta das “Breves descrições…”, tecendo os seguintes comentários:

“Como na Ilha Grande foi decantada pelo espaço contrário aos trabalhos (os quais, no mínimo, resguardaria) antieticamente haveria de apresentar expressiva contenção de exercícios corporais, enquanto expressão de labuta, de fadiga e de descanso decorrentes de diligência em atividade física. Permitiria – na contrapartida da terra de gente excepcional – a alternativa das recreações para o cultivo e o requinte do espírito. Desdobrado da hipótese das recreações coletivas, o raciocínio desenclausurado outro não é, senão o de que, no Maranhão, seria comunitária a amizade pelas luzes, pela razão, pela sabedoria etc., considerada a educação do pensamento e do sentimento um fragmento indispensável das recreações. .” (40).

 

“A afirmativa do padre João Tavares foi riquíssima, porque vaticinou uma permuta – as delícias (da Itália) pelas recreações (do Maranhão). Sociologicamente significativa, haja vista que, na substituição, as delícias européias não terminariam trocadas pelos trabalhos americanos. Ao contrário, o fundamento do intercâmbio seria a validade indicada como vantajosa – a das recreações maranhenses.” (p. 39).

 

O Padre jesuíta João Tavares é considerado o fundador da cidade de Tutóia – Ma; era natural do Rio de Janeiro, onde teria nascido a 24 de setembro de 1679. Viera para o Maranhão como mestre de Filosofia e Teologia, tendo ensinado também Gramática. Foi Vice-Reitor do Colégio[2]. Cumprida sua missão, deram-lhe opção de voltar ao Rio de Janeiro, não a aceitando, por amor aos Teremembés. Faleceu em São Luís, em 11 de julho de 1743 – (ou 44, segundo Ramos, 2001).

Os Teremembés dominavam vastas regiões do norte maranhense – região dos Lençóis e Delta do Parnaíba -; o governo manda uma expedição, em 1679, sob o comando de Vital Maciel Parente; encontrando um troço de índios, estes são dizimados – mais de 300. Somente em 1722, se efetuaria a redução desses índios, por obra do Pe. João Tavares, cognominado Apóstolo dos Teremembés. O próprio padre descreve os costumes daqueles índios marítimos, definindo-os como “peixes racionais”.

Em 1724, o missionário pediu, e obteve duas léguas de terra e a ilha dos Cajueiros. Teve problemas com fazendeiros – três irmãos e um primo, que a invadiram, para criação de gado – e, não conseguindo resolvê-lo com o Governador – que também tinha interesse na região, retirando índios para seu serviço -, recorreu a El-Rei, que deu ganho de causa ao missionário e exigiu que se cumprissem as condições do aldeamento: servir aos brancos nas pastagens de gado vacum e cavalar e garantir para a Coroa a vigilância daquela faixa marítima. O padre comprou os gados introduzidos irregularmente aos fazendeiros.

A missão chamou-se Nossa Senhora da Conceição. Em 1730, contava com 233 índios ainda pagãos, que aprendiam a doutrina.

João Tavares situou a aldeia nas praias dos Lençóis, onde faz barra principal um dos braços do Parnaíba, chamado Santa Rosa e também Canal de Tutóia.

César Marques (1970), no verbete Tutóia, de seu Dicionário…, informa serem os índios Trememés (sic), os mais bem figurados, valentes e prestimosos que tinha a Capitania, segundo o pensar do Governador Gonçalo Pereira Lobato e Sousa – 1753/1761. Esses índios tinham, em 1727, no tempo do Governador e Capitão-General João da Maia da Gama – 1722/1728 -, duas datas de seis léguas de terra, as quais foram medidas e demarcadas à custa dos mesmos índios. Prossegue:

“Pouco tempo era passado quando das bandas da Parnaíba vieram uns homens que foram situando aí fazendas de gado vacum e cavalar, e sucitando-se questões entre eles, os índios os expeliram, e um jesuíta, que lá vivia em muita intimidade, com o fim de terminar tais pendências, comprou aos seus legítimos donos o gado existente, e de então por diante ficaram os padres da Companhia possuindo como suas as terras destes índios.” (p. 622) (grifos meus).

 

César Marques não traz João Tavares como o fundador de Tutóia, nem o identifica como o jesuíta que vivia entre os Teremembés – embora fosse conhecido como o Apóstolo desses índios -, o mesmo ocorrendo com CARDOSO (2001)[3],  que apresenta a descrição dos 217 municípios maranhenses. Às páginas 572-581 traz a descrição de Tutóia, basicamente transcrevendo do que consta no Dicionário de César Marques, não fazendo referência, também, a João Tavares…

João Tavares, padre da Companhia de Jesus, é o autor da “Breve descrição das recreações do Rio Muni do Maranhão, pelo João Tavares da Companhia de Jesus missionário, do dito estado. 1724”. A seguir, transcrição do manuscrito disponível no Arquivo Nacional, Divisão de Manuscritos 5, 3, 24 [4]:

[1] CORRÊA, Rossini. FORMAÇÃO SOCIAL DO MARANHÃO: o presente de uma arqueologia. São Luís : SIOGE, 1993

[2]  O Colégio de Nossa Senhora da Luz, em curto espaço de tempo, tornou-se excepcional centro de estudos filosóficos e teológicos da ordem no Estado (universitate de artes liberais). Era o que melhores condições de estudos oferecia. Já em 1709, o Colégio do Maranhão era Colégio Máximo, nomenclatura usada pelos discípulos de Loyola para seus estabelecimentos normais de estudos superiores. Nesse colégio funcionavam as faculdades próprias dos antigos colégio da Companhia: Humanidades, Filosofia e Teologia, e, mais tarde, com graus acadêmicos, no chamado curso de Artes. Os estudos filosóficos compreendiam: no 1º ano, Lógica; no 2º, Física; no 3º, Matemática.

O Colégio Máximo do Maranhão outorgava graus de Bacharel, Licenciado, Mestre e Doutor, como se praticava em Portugal e na Sicília, segundo os privilégios de Pio IV e Gregório XIII. Dentre os estabelecimentos de ensino dos jesuítas, as Escolas Gerais ocuparam um lugar de destaque, pelo fato de terem tornado o ensino popular ao alcance de todos. (CAVALCANTI FILHO, Sebastião Barbosa. A QUESTÃO JESUÍTICA NO MARANHÃO COLONIAL – 1622 – 1759. São Luís : SIOGE, 1990, p. 36).

[3] CARDOSO, Manoel Frazão. Tutóia. In O MARANHÃO POR DENTRO. São Luís : Lithograf, 2001, p. 572-582.

[4] Os Autores tomaram conhecimento desse texto de João Tavares quando da elaboração de artigo intitulado “’Pernas para o ar que ninguém é de ferro’- as recreações em São Luís do Maranhão, no período imperial”, estudo segundo colocado do Prêmio “Antônio Lopes” de Pesquisa Histórica, do Concurso Literário e Artístico “Cidade de São Luís”, 1995, quando se referiam aos jornais que se dedicavam ao lazer, instrução, literatura e artes, editados nos primórdios da imprensa maranhense. A primeira referência encontrada foi em Rossini Corrêa, logo depois em Clóvis Ramos;  após cerca de 10 (dez) anos de buscas – Biblioteca Pública Benedito Leite, Arquivo Público do Estado do Maranhão, Biblioteca Nacional e no próprio Arquivo Nacional – quando tomou conhecimento da conclusão do levantamento dos manuscritos disponíveis – junho de 2003 – fez nova consulta, dando-se-lhe conta de que havia uma cópia dentre aqueles documentos. Mandaram buscar, então, cópia; adquirida através de suporte em microfilmagem (custo: R$ 40,00), fotocopiada na Biblioteca Pública Benedito Leite (custo: R$ 78,00 !).

[1] SOUZA, José Coelho de. OS JESUÍTAS NO MARANHÃO. São Luís: Fundação Cultural do Maranhão, 1977, p. 56-57

[2] RAMOS, Clóvis. OS PRIMEIROS JORNAIS DO MARANHÃO – 1821 – 1830. São Luís: SIOGE, 1986;

RAMOS, Clóvis. OPINIÃO PÚBLICA MARANHENSE (1831 a 1861). São Luís: SIOGE, 1992.

[3] RAMOS, Clóvis. ROTEIRO LITERÁRIO DO MARANHÃO – Neoclássicos e Românticos. Niterói: (s.e.), 2001

 

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