RECORDAR É VIVER – o Moto Clube em (mais uma) crise

Estou revendo alguns escritos, para responder ao Charles, de Imperatriz. Lembram dele? defendeu monografia sobre a implantação da Educação Física e Esportiva naquela cidade, com um recorte temporal de 1970 a 2010, dedicando um capitulo inteiro aos anos 1975/1978, sendo que participei ativamente de 76 a 78; em 79 vim para São Luis…

Mas o que está logo abaixo trata-se de um capitulo da cronica que estou escrevendo, no resgate da História dos Esportes, da Educação Física e do Lazer no Maranhão. Já está com cinco volumes, aguardando uma alma caridosa que possa bancar a publicação, já que meu salário de professor aposentado não dá para tal…

A parte correspondente aos anos 40 a 90, do século passado, tendo como eixo norteador a historia de vida do Querido professor Dimas.

RECORDAR É VIVER

Para KOWALSKI (2000) no surgimento dos rituais comunitários, responsáveis pelas transformações de sensações encadeadas por impulsos amplos, que vêm de fora: do remo, do futebol, as corridas de carro, o carnaval, o espetáculo da emoção e o delírio das multidões, estabeleceu-se uma sintonia entre a quebra da identidade colonial e a construção da identidade nacional, coletiva, cultural, brasileira. O esporte é então concebido como uma escola de coragem e de virilidade, capaz de ajudar a modelar o caráter e estimular a vontade de vencer, que se conforma às regras, que adota uma atitude exemplar – o fair-play -, jogo justo e honesto, comportamento cavalheiresco: Por outro lado, as exigências econômicas e culturais para praticar as novas modalidades esportivas… reforçariam ainda mais a conotação de que esta prática cultural se afirmava como um signo de distinção social“. (p. 393).

É nesse sentido específico que certos esportes aparecem como elemento de diferenciação do estilo de vida. A prática esportiva torna-se um indicativo de pertencimento social, tendo em vista que a prática de certas modalidades (tênis, crickt, crockt, remo) estava condicionada, em Maranhão, à participação em associações esportivas (os clubs), enquanto outras (foot-ball) vinham alcançando uma maior difusão social, irradiando-se por todos os lados.

Emblemático, desse período romântico do esporte maranhense – e em especial do futebol – é a biografia esportiva de vários “sportman” e “cracks” do futebol da época – que abrange os anos 15 a 45.

Tomamos por base as matérias publicadas no jornal “O Esporte“, nascido no ano de 1947, – “órgão puramente esportivo” – que tinha por objetivo “incentivar ainda mais a prática dos desportos na capital maranhense, para que possamos manter a posição de prestígio que ocupamos no cenário esportivo nacional, depois das vitórias de 1946“. Fundado, dirigido e escrito por José Ribamar Bogéa, sua primeira edição circulou no dia 21 de julho de 1947 e sobreviveu até 1951

Em uma sessão denominada “Recordar é Viver”, são oferecidos aos leitores biografias de vários “sportman” e de cracks do futebol, em que se pode traçar como se deu o desenvolvimento do esporte em terras maranhenses, após a implantação na primeira década dos “novecento” (1900).

As primeiras biografias referiam-se a atletas em atividades, em atuação nos diversos clubes da capital – Moto Clube, Sampaio Corrêa, Maranhão Atlético, e Tupan, responsáveis pelas conquistas naquele ano de 1946.

Em 10 de setembro de 1947, com o título “um clube que honra o patrimônio esportivo de nosso estado” é anunciado o 10º aniversário do glorioso Moto Clube, o poderoso rubro-negro de Santa Izabel.

O garboso Moto Clube, por ocasião de seu 10º aniversario – 13 de setembro – estava passando por uma crise em seu departamento de futebol, por falta de… Técnico.

No relatório da diretoria, César Aboud [i] prestava contas de sua gestão iniciada em 14 de setembro de 1944, e falava que as exigências técnicas, cada vez mais prementes, fizeram com que o clube abraçasse o profissionalismo, investindo soma apreciável na aquisição de atletas, mas os resultados foram compensadores – foram conquistados três campeonatos de futebol – 44, 45 e 46. No basquetebol, também fora campeão em 46 e vice no Voleibol. No Atletismo, o Moto participou de algumas provas, destacando-se a Corrida de São Silvestre, tendo conseguido o primeiro lugar, por equipes.

Era o início do profissionalismo no futebol maranhense, com a importação de atletas de nível, especialmente do Ceará e Pernambuco.  Reinicio, na verdade, pois em 1910 o FAC começa a contratação de jogadores de outros estados e foi Nhozinho Santos – e não César Aboud -, quem começou essa prática, muito embora antes do Moto Club se profissionalizar, o Sampaio Corrêa já iniciara as importações e, o Moto – segundo se depreende do relatório de atividades de seu decimo aniversário -, fez apenas se ajustar naquilo que vinha acontecendo, para não ficar atras, tecnicamente. Já naqueles anos reclamava-se dessa importação desenfreada, em detrimento da “prata da casa”. 

Barbosa Filho, em reportagem publicada dia 28 de julho de 1947, apresenta-nos a “biografia de um crack”: ZUZA, conhecido como “o professor”, meia canhoto do Moto Clube e considerado o melhor meia do norte em sua posição. José Ferreira Filho, seu nome de batismo, nasceu em 16 de agosto de 1916, tendo começado a jogar futebol em sua cidade natal, Caruarú, ingressando no quadro infantil do Central; em 1935, passa para o quadro de aspirantes e em seguida, para o de titulares. Em 1937, conquista o vice-campeonato do torneio intermunicipal. No ano seguinte, o Caruaru participa do campeonato da primeira divisão, mas não vai até o final, licenciando-se; Zuza passa a integrar, então, o time do América. Em 1938, está no Ferroviário, atuando por duas temporadas. Nos anos de 1941 a 1945, vamos encontrá-lo no Ceará Sporting Clube. Como o Ceará fora suspenso pela FCD, o Moto Clube vai buscá-lo – naquele ano, o Moto Clube forma seu time com profissionais -. Além de Zuza, vem também Rui. Zuza participou daquele cérebre jogo entre Mineiros 3 x 7 Maranhenses … (O Esporte, São Luís, 28 de julho de 1947, p. 2.)  

Outro atleta que vinha se destacando, também importado, era REGINALDO do Carmo Menezes; nascido no Recife, em 16 de julho de 1915, começou com o futebol aos 12 anos, no Norte América e depois, no Oceano, quadros “dos pés descalços” do subúrbio de Santo Amaro. Reginaldo passa a jogar bola em troca de algumas cambadas de peixe, doadas pelo presidente do Norte América; passou também pelo Íbis. No ano de 1947, REGI já defendia as cores do Sampaio Corrêa e seu maior prazer era vencer o MAC (O Esporte, São Luís, 03 de agosto de 1947, p. 2.).

Comentado até os dias de hoje, GEGECA – Argemiro Martins foi outro pernambucano a ingressar no Sampaio Corrêa. No seu primeiro treino, demonstrou muita classe e entusiasmo. Também veio do Íbis, como Reginaldo. Gegeca nasceu no Recife, em 27 de junho de 1920, sendo seu primeiro clube o Maurití, do Porto da Madeira, passando para o Encruzilhada, onde atuou ao lado de Orlando, China e outros grandes azes do futebol nacional. Aos 17 anos deixou de jogar com os “pés descalços” e ingressou no Santa Cruz, jogando até 1940, quando se transferiu para o Íbis. Em 1943, estava de volta ao Santa Cruz, retornou ao Íbis, lá permanecendo até receber a proposta do Sampaio Corrêa  (O Esporte, São Luís, 10 de agosto de 1947, p. 2).

AREL – “ele aprendeu na mesma escola de Expedito e Ubaldo”- a reportagem começa exaltando o fato de o MAC, apesar de não ter grandes títulos, tem a fama de celeiros de cracks. Isso, já em 1947! Já era tido como uma grande “fábrica” de elementos que se destacavam no cenário nacional, como Expedito e Ubaldo, que brilhavam naquele ano no Rio de Janeiro e São Paulo e que haviam defendido o Sampaio Corrêa em 1943.

Outro elemento que poderia estar entre os grandes azes do futebol nacional era o médio Arel. Tendo passado pelo Maranhão Atlético Clube em 1938, depois jogou peladas no campo do Luso Brasileiro, do Vasco da Gama e no Tupan. Foi campeão pelo MAC em 1943. Era natural do Pará, embora tido como maranhense (O Esporte, São Luís, 13 de agosto de 1947, p. 2).

           HAROLDO Almeida e Silva nasceu em 25 de março de 1922, no Rio de Janeiro. Aos 15 anos já jogava futebol nos campos das Laranjeiras, mesmo bairro onde nasceu. Jogou no Castelo Branco, clube de bairro, passando para o São Cristóvão, até 1945, quando veio para o Moto Clube, indicado por um senhor Soares, da Federação Metropolitana. Em 1947, estava sem contrato e desejando voltar para o Rio de Janeiro. Motivo – vida cara e ordenado pequeno  (O Esporte, São Luís, 17 de agosto de 1947, p. 2).

           COELHO - José Coelho Neto nasceu em Fortaleza em 12 de abril de 1922. Começou a jogar pelo Cruzeiro de Camocim, para onde seu pai – funcionário público – foi transferido, em 1935. Em 1939, seu pai volta a Fortaleza e Coelho – já com fama de bom centroavante – passa a defender as cores do Realengo, time do bairro de Aldeotas. Em fins de 1940, deixa o time de João Bombeiro e transfere-se para o Riachuelo, onde joga até 1942, sagrando-se vice-campeão da 2ª divisão. Em 1943, esteve no Baependí e em 1944, ingressou no Fortaleza, como ponta-direita. Depois de vários jogos, inclusive um campeonato brasileiro, veio para o MAC, chegando aqui em 9 de dezembro de 1945. – o avante do MAC contava com apenas três anos de profissionalismo (O Esporte, São Luís, 24 de agosto de 1947, p. 2).

           GALEGO – jogador do Moto Clube, não se saia bem nos jogos locais, mas nos fora da cidade… Chegou a ser cogitado até para a seleção brasileira… Natural de Belém do Pará, onde nasceu em 26 de julho de 1921, começou a jogar futebol no juvenil do Paissandú, em 1937. Troca o Paissandú pelo União e em 1940 passa para o Tuna Luso Comercial. Transfere-se para o Recife, onde joga no América. Com saudades de casa, volta a Belém e, sem contrato, retornou para Recife, contratado pelo Santa Cruz. Passa a jogar pelo Maguari e quando este é extinto, vem para São Luís, jogar pelo Moto Clube (O Esporte, São Luís, 31 de agosto de 1947)

Mas esses eram os cracks da bola, importados de outras plagas e que iniciaram a profissionalização de nosso futebol, ganhando exclusivamente para jogar. Muitos maranhenses tiveram destaque, não só no futebol, mas em outras modalidades. O ano de 1946 foi considerado o de maior destaque para os esportes maranhenses, em especial, para o Futebol, com os clubes locais ganhando inúmeras partidas por esse Brasil todo – Ceará, Belém, Recife, assim como de clubes de outras partes, quando vinham para São Luís, se apresentar, sofriam derrotas sem explicação, como aconteceu com o Flamengo, Vasco da Gama, Botafogo… Também no Basquetebol o Maranhão teve destaque em toda a região norte-nordeste, assim como no voleibol e alguns atletas apareceram no Atletismo…

(continua…)

[i] CÉSAR ALEXANDRE ABOUD – nasceu no Acre, na cidade de Cruzeiro do Sul, em 23 de fevereiro de 1910, filho de Júlia Drubi (viúva) e de Alexandre Aboud (com quem casa em segundas núpcias). Quando contava dois anos, a família muda-se para São Luís; aqui, foi alfabetizado por dona Santinha e mais tarde passa a estudar no Colégio dos Maristas, onde fez o curso primário. Com o falecimento do pai, Alexandre Aboud, a família muda-se para Buenos Aires, em 1920; na Argentina, César estudou na Escola Bartolomeu Mitre e, aos 11 anos, estava trabalhando na firma de José Gasard, como transportador de mercadorias. Em 1922, a família está de volta a São Luís, passando a estudar no Colégio Gilberto Costa, e, com 14 anos, empregou-se na firma Chames Aboud. Após anos de trabalho, já se transformara em um comerciante sólido e industrial, vindo a adquirir a Fábrica Santa Izabel, de Nhozinho Santos, em 1938. A devoção de César pelo esporte encontra-se em sua infância, quando começou a formar sua personalidade de esportista. Em Buenos, dedicava-se ao boxe, chegando a ser pugilista de renome. Quanto ao futebol, aos 4 anos de idade (?) já tinha organizado em São Luís um time – o Botafogo – que saia pela cidade a desafiar a garotada. Na adolescência fez parte do Esporte Clube Sírio Brasileiro, formado à base de descendentes libaneses, do qual foi dirigente e jogador. Anos mais tarde, depois de liderar uma dissidência do Sírio Brasileiro, fez-se técnico do Maranhão Atlético Clube. Em 1939, já era notória a sua dedicação ao esporte, recebendo convite do capitão Vitor Santos para dirigir o Moto Clube de São Luís, uma de suas maiores paixões, tendo sido seu presidente por 15 anos. Procedeu a mudanças no Moto, começando pela camisa, que mudou a cor de verde e branca para vermelha e preta, por causa do Flamengo. Reestruturou o clube, ampliou o quadro associativo, criou os departamentos de voleibol, e basquetebol, e reformou o estádio do Santa Izabel, em 1942, construindo arquibancadas e dotando-o de condições apropriadas para o exercício do bom futebol que há época se praticava no Maranhão. O plantel de jogadores, da melhor qualidade técnica, era freqüentemente requisitado para apresentações nos grandes centros esportivo do país. Recursos para tal fim eram fornecidos pela fábrica, que mantinha a agremiação esportiva. O falecimento de César Aboud ocorreu em São Luís, a 20 de agosto de 1996 O Esporte, São Luís, 14 de setembro de 1947

Recordar é Viver  Por: Leopoldo Gil Dulcio Vaz

Lecturas en educación física y deportes – n.38 – 2001

sex, 17/02/12 por leopoldovaz | categoria A VISTA DO MEU PONTO, Futebol, Recordar é Viver

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