Do Blog do Leopoldo Vaz • terça-feira, 19 de abril de 2016 às 16:58  

As primeiras referências sobre a prática de atividades lúdicas e de movimento que encontramos no Maranhão datam do período de ocupação do território maranhense. Catharino (1995) [1], ao fazer uma análise do “Trabalho índio em terras de Vera ou Santa Cruz e do Brasil”, refere-se, dentre esses trabalhos, a dois que nos interessam particularmente: “O trabalho desportivo” (p. 601-606) e “O Trabalho locomotor” (p. 607-620).  Ao analisar o trabalho desportivo, considera que nesse mundo, antes da chegada dos brancos, a sobrevivência exigia qualidades atléticas, exercícios constantes, com descanso e repouso intercalados, de duração sumamente variáveis (p. 601). Por isso, os índios se tornavam atletas naturais, para sobreviver, pois tinham que, em terra, andar, correr, pular, trepar, arremessar, carregar, e, na água, nadar, mergulhar e remar, também realizar trabalho-meio, autolocomotor, com suas próprias forças, apenas e/ou, também, com auxílio de instrumentos primitivos, para obtenção de produtos necessários: “Entre prática guerreira e desportiva há um nexo de causalidade circulativo, proporcionalmente inverso. Mais prática desportiva, menos guerra. Mais guerra, menos aquela. Causas produzindo efeito repercutindo sobre a causa. Nexo fixado, de recíproca causalidade e efeito.[… ] “O trabalho-meio, autolocomotor, servia de aprendizado e adestramento – atlético que era – ao competitivo”  (p. 602).

corrida de toras 5

O Autor considera que, entre a infância e a puberdade, e a adolescência e a virilidade ou maioridade, entre os 8 e 15 anos, a que chamamos mocidade, os kunnumay, nem miry nem uaçu, tomavam parte no trabalho dos seus pais imitando o que vêem fazer. Não se lhes manda fazer isto, porém eles o fazem por instinto próprio, como dever de sua idade, e já feito também por seus antepassados: “Trabalho e exercício, esses mais agradáveis do que penosos, proporcionais à sua idade, os quais os isentava de muitos vícios, aos quais a natureza corrompida costuma a prestar atenção, e a ter predileção por eles. “Eis a razão porque se facilita à mocidade diversos exercícios liberais e mecânicos, para distraí-la da má inclinação de cada um, reforçada pelo ócio mormente naquela idade”. (p. 602).

Após essas explicações, o Autor informa que essa seção – o trabalho desportivo – é dedicada ao trabalho competitivo entre índios, embora caçando e pescando, competissem amiúde com outros animais, considerados irracionais, o que faziam desde a infância. Sem falar nos jogos educativos: “… jogos e brinquedos (Métraux) dedicou um só parágrafo, quase todos graças a d’Evreux [2], acerca dos feitos pelos Tupinambás. “Tratava-se de ‘arcos e flexas proporcionais às suas forças’. O jogo, educativo para a caça, pesca e guerra, era possível porque reunidos plantavam, e juntavam cabaças, que serviam de alvo, ‘adextrando assim bem cedo seus braços’. Assim, brincavam os meninos de 7 a 8 anos. Kunumys-mirys. As meninas, na mesma faixa etária, Kugnantins-myris, além de ajudarem suas mães, faziam ‘uma espécie de redesinhas como costuma por brinquedo, e amassando o barro com que imitam as mais hábeis no fabrico de potes e panelas’. (em nota à página 605-606). 

_DSC0072 (2)

6.000 a.C. ? – 1590 Quanto às modalidades com caráter esportivo que praticavam, referem-se às corridas, lutas e futebol. Dentre os exemplos, ressaltam a capacidade de correr de algumas tribos, como a dos goitacazes, corredores agilíssimos, que capturavam na carreira veados e corças. Outras, ante um ataque frustrado – emboscada – elogiavam a capacidade de fuga – daquele que corria de volta à sua própria aldeia, chegando antes dos demais -, não a considerando um ato de covardia, mas de capacidade física e poder, antes dos demais, proteger a vida das mulheres e crianças. Faz referência, ainda, ao “esporte nacional dos Tapuya”, que praticavam uma corrida a pé “encetada carregando peso”, registrada por dois historiadores franceses (p. 604).

O Atletismo aparece em Maranhão anterior ao período colonial, através da Corrida de Toras – pertencente ao grupo de provas de revezamentos – dos Índios Kanelas Finas – pertencente à etnia Jê, presente por estas terras há pelo menos cinco mil anos.

Paula Ribeiro (2002) [3] descreve uma das principais manifestações do lúdico e do movimento, na cultura Jê, referindo-se à música e à dança: “… enquanto as muitas mulheres guizam as comidas, dançam eles e cantam ao som de buzinas, maracás e outros instrumentos … esta dança e música noturna, melhor repetida depois da ceia, dura quase sempre até às cinco da manhã …” (p. 39).

A Corrida de Toras – Os Jê são conhecidos no Maranhão com a denominação deTIMBIRAS“, e dividem-se em dois ramos principais, segundo seu habitat – Timbiras do Mato e Timbiras do Campo -, estes apelidados de canelas finas pela delicadeza de suas pernas e pela velocidade espantosa que desenvolvem na carreira pelos descampados, confirmando Spix e Martius (1817) quando afirmam, sobre os Kanelas, gaba-se a sua rapidez na corrida, na qual igualariam a um cavalo.

corida de toras

Ao descrever as atividades da educação física no Brasil colonial, Marinho (s.d.)[4] afirma serem a pesca, a natação, a canoagem e a corrida a pé processos indispensáveis para assegurar a sobrevivência de nossos índios. É através da criação e da valorização cultural da corrida de toras a base para sobrevivência física e cultural dos Kanelas.

Os Tupinambás eram, ainda, excelentes marinheiros, ninguém tomando a vela melhores do que eles. Caminha, em sua carta acerca dos achamentos dos portugueses referia-se às almadias – canoas feitas de tronco ou casca de árvore – e jangadas, com que se deslocavam pelas águas – mares e rios: igará era denominação genérica; ubá a feita de uma só casca de árvore; igaraçú, as grandes, de um só tronco; igaritê, as pequenas. Igaratim chamavam aquelas canoas em que iam os morobixabas e se diferenciavam das demais por levarem à prôa um maracá – maracatim dos Igaraunas, do Maranhão (CATHARINO, 1995).

imagesCAYXKI2G

No Maranhão, faziam-se, e ainda se fazem balsas de talo de buriti – periperis; delas tomou nome o considerável afluente que o Parnaíba recebe pelo lado esquerdo. Pode-se afirmar que os índios também impulsionavam periperi com remos.

Aos remos – apecuitá; ao leme – yacumá; à pá do leme, iacumã. Em sendo o leme peça fixada na popa, para ser a embarcação governada e dirigida, ficou a dúvida se ela existia em canoa, ou se, como leme, era usado remo, sendo mais provável esta hipótese.

aku aku

Quanto ao trabalho de remar, variava em conformidade com o tamanho e a capacidade das canoas; variável também o número de transportados e dos remadores. Falando da ida dos Tupinambá para a guerra, Léry (citado por Catharino, 1995, p. 616) disse que vogam em pé, com um remo de pás duplas, ao qual seguram pelo meio. A descrição indica remo usado para impulsionar caiaque, o que permite remar metendo na água alternadamente cada pá por cada borda.

Os Igaraunas, do baixo Maranhão, são tidos em conta dos melhores remeiros do país porque a este exercício se afazem desde a infância (Catharino, 1995, p. 617, citando Dénis). Foram eles, que à força de remos, levaram o comboio do capitão Teixeira desde o Oceano até à costa dos Andes. Esses índios tinham suas canoas de guerra de quarenta a cinqüenta pés de comprimento e feitas de um só tronco de árvore, a qual davam o nome de maracatins.

            Catharino (1995) acredita ser inconcebíveis vida e cultura índias sem locomoção pelas próprias forças. Por isso, os índios fazem exercícios constantemente.  Essa constante movimentação concorria para sua higidez, robustez e estado atlético, tornando-os mais aptos a enfrentar as naturais dificuldades do meio, e a manterem-se sadios.

Tinham profunda intimidade com a água, nela se sentindo à vontade, para o que, por certo, concorria o costume das mães banharem seus filhos logo após tê-los. Não admira soubessem nadar. Os costeiros e os do interior. De todas as idades, mais ainda os meninos e as meninas, moços e moças. Quando da chegada dos primeiros portugueses, relata Vespúcio: “… e antes que chegássemos à terra, muitos deles lançaram-se à nadar e vieram nos receber a um tiro de nesta no mar (equivalente a 150 metros), que são grandíssimos nadadores… (p. 613). Continua o Autor: “Nadam fora de toda expectativa, e melhor as mulheres que os homens, porque os encontramos e vimos muitas vezes duas léguas adentro do mar sem apoio algum iram nadando”. (p. 613)

imagesCA2RPTMS

Serve-se de vários autores, para ilustrar o quanto nossos índios dominavam a arte da natação: “… Ramirez: ‘ellos som mui ligeros é mui buenos nadadores … Lopez: ‘E vinham apoz de nós, hús a nado e outros em almadias, que nadam mais que golfinhos; … Knivet: ‘Levou-me esse cannibal pela praia, e fomos ter a uma penha que sahe ao mar; tomou-se então elle às costas, e, tendo nadado comigo por fóra dos parceis, continuámos a nossa viagem … D’Abeville [5]:Vimos maravilhados inúmeros índios se lançarem-se a nado (Tupibambá) para nos encontrar e trazer seus agrados. Jaboatam, acerca dos gentios Goyatacá: ‘Costumavão, por não Ter outro modo, andar de nado pelas ribeiras do mar esperando os Tubarões, com um pau muito aguçado na mão, e em remetendo o tubarão a eles, lhes engastavão a ponta pela garganta a dentro, com tanta força, que o affogavão, e morto assim o traziam à terra…”. (p. 613).

Não eram apenas exímios nadadores. Também sabiam mergulhar. Sobre os índios do Maranhão, como acima a nota de Claude D’Abeville citada, serem os “Tupinambás grandes nadadores e mergulhadores, chegando a nadar três a quatro léguas. Se de noite não tem com que pescar, se deitam na água, e como sentem o peixe consigo, o tomam às mãos de mergulho; e da mesma maneira tiram polvos e lagostins das concavidades do fundo do mar, ao longo da costa (p. 618)… “Eram, os Tupinambás, extremados marinheiros, como os metem nos barcos e navios, onde todo o tempo ninguém toma a vela como eles; e são grandes remadores, assim nas suas canoas, que fazem de um só pau, que remam em pé vinte a trinta índios, com o que as fazem voar …” (p. 618).

ATLAS DO ESPORTE NO MARANHÃO

[1] CATHARINO, José Martins. TRABALHO ÍNDIO EM TERRAS DA VERA OU SANTA CRUZ E DO BRASIL – tentativa de resgate ergonológico. Rio de Janeiro : Salamandra, 1995.

[2] Refere-se a Ives d’Evreux, em sua “Viagem ao norte do Brasil feita nos anos de 1613 a 1614”, em que relata sua viagem ao Maranhão, junto com Daniel de LaTouche.

[3] PAULA RIBEIRO, Francisco de. MEMÓRIAS DOS SERTÕES MARANHENSES. São Paulo : Siciliano, 2002

[4] MARINHO, Inezil Penna. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL. São Paulo : Cia. Brasil Ed.(s.d.).

[5] Refere-se a Claude D’Abeville, missionário que esteve em Maranhão com Daniel de LaTouche, quando da fundação da França Equinocial, autor de “ História d Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão e terras circunvizinhas”.

 

Comentários

Nenhum comentário realizado até o momento

Para comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.