“Tributo ao Mestre Sapo”

LAÉRCIO ELIAS PEREIRA[1]

Mestre Sapo (aos 17 anos) tocando pandeiro; no berimbau, Vítor Careca; jogando capoeira, estão Mestre Canjiquinha (de cabeça para baixo) e Mestre Brasília.

Fonte: Foto de Mestre Nelsinho, MARTINS, 2005[2].

 

Era um dos ‘capitães da areia’ das histórias que Jorge Amado contou sobre os meninos que vivem nas praias de Salvador, deslocando um bico ou uma carteira, aqui e ali. Vivem é muito otimismo; sobrevivem à margem da sociedade dando e pedindo esmola, como cantou outro baiano, Moraes Moreira.

Daí até chegar à capoeira pra turista foi fácil, que a Capoeira era parte de seu dia-a-dia. Já tinha até arranjado um lugar de destaque junto a Mestre Canjiquinha, que fazia apresentações em bares e boates da Bahia de Todos os Santos. Com Canjiquinha apareceu na maioria dos filmes feitos sobre a Bahia pela Atlântica e se orgulhava de ter filmado com Anselmo Duarte.

Convidado, Canjiquinha fez uma excursão pelo Nordeste, e, no Maranhão, o garoto Sapo foi convidado para ficar. Era bom de luta e a política local precisava de guarda-costas. Foi a primeira investida da máquina, desta vez a política. Com a facilidade de manejar armas pela nova profissão Mestre Sapo teria aí uma de suas paixões: sempre tinha um trintaeoito ou uma bereta pra ‘botar no prego’ e recuperar quando aparecesse algum, pois a convivência com políticos não tinha deixado nada que o ajudasse no leite das crianças, a não ser o estudo, com que ele deu um rabo-de-arraia nas poucas letras trazidas de Salvador. Estudou muito. Até o cursinho, e se foi sem ter conseguido superar o vestibular que a Universidade teima em manter na área médica, pra Educação Física. Mas era professor de Educação Física: Professor Anselmo. Anselmo??? Que nada! Mestre Sapo. Era a segunda investida da máquina: a administrativa. A modernização da pobreza também tenta tirar a originalidade das pessoas. Como Sapo não seria aceito; só como Anselmo. Essa parada contra a máquina ele ganhou: nunca deixou de ser Mestre Sapo.

Crescendo em Capoeira e fama ele agora sai nos livros: a ramificação da Capoeira no Maranhão, contada por Waldeloir Rego em ‘Capoeira Angola’ é Mestre Sapo. Ah! E como juiz nacional da nova ‘Ginástica Brasileira’[[3]] a sua capoeira que ele brigou tanto pra não virar ginástica olímpica.

Ia se aperfeiçoar e o sonho de fazer Educação Física ia ficando cada vez mais sonho. Mas tinha orgulho de sua forma física: ‘Fique calmo!’, ‘Olha o bíceps!’.

Ele gostava de domingo. Um dia malemolente pra se tomar cana e brigar. Brigar com os companheiros de briga. E foi num domingo, domingo de cachaça e briga, que ele recebeu a terceira e definitiva investida da máquina: o automóvel, que mostrava a ‘mais vaia’ de sua capacidade de competição contra os músculos do Homem. Os músculos bem treinados de Mestre Sapo nada puderam contra a máquina forte e estúpida, medida em cavalos. Mais de cinqüenta. Uma máquina movida por um companheiro de profissão, um amigo, pra combinar com o domingo, com a briga e a cachaça. Jamais seria um desconhecido dirigindo a máquina da norte. Sapo era amigo de todo mundo…

 

 

Fonte: Foto de Mestre Nelsinho, MARTINS, 2005[4]

  1. Mestre Sapo dava orientações aos competidores, dentre eles, podemos identificar Mestre Curador (de camisa listrada). 2. Mestre Sapo está ao lado de Mestre Didi.

Fonte: Foto de Mestre Nelsinho, MARTINS, 2005[5]

 

[1] PEREIRA, Laércio Elias. Tributo ao Mestre Sapo. São Luís, DESPORTO E LAZER, n. VII, ano II, maio/junho e julho de 1982, p. 17.

[2] MARTINS, Nelson Brito. UMA ANÁLISE DAS CONTRIBUIÇÕES DE MESTRE SAPO PARA A CAPOEIRA EM SÃO LUÍS. Monografia apresentada ao Curso de Educação Física da Universidade Federal do Maranhão, para obtenção do grau de Licenciado em Educação Física. São Luís, UFMA/DEF, 2005. Orientador: Prof. Drdo. Tarcísio José Melo Ferreira

[3] MARINHO, Inezil Penna. A GINÁSTICA BRASILEIRA (Resumo do Projeto Geral). 2 ed. Brasília: 1982

[4] MARTINS, 2005, obra citada.

[5] MARTINS, 2005, obra citada.

 

Comentários

Por Laercio Elias Pereira
em 5 de Fevereiro de 2017 às 21:02.

ManoLeo,

Agradeço a re(de)ferência. Escrevi sem conter a emoção no dia em que perdemos o grande amigo Mestre Sapo. Só fiquei meio injuriado quando, muitos anos depois, não estive nos créditos no filme em homenagem a ele "O Dono da capoeira". A única imagem em movimento do Sapo jogando (com Mestre Pato) é um filminho super8 que eu fiz na Ponta D´Areia. 

Minuto 1:40

http://cev.org.br/biblioteca/o-dono-da-capoeira/

Fica o registro.

Laércio


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