Stress crónico promove a dependência da rotina
Estudo de investigadores portugueses é hoje publicado na revista «Science»
2009-07-30
Por Luísa Marinho
O cérebro utiliza “estratégias automáticas <br > para evitar o colapso”, considera Rui Costa
O cérebro utiliza “estratégias automáticas para evitar o colapso”, considera Rui Costa
Um grupo de investigadores portugueses publica hoje um estudo na revista «Science» sobre como o stress crónico pode afectar a tomada de decisões no quotidiano.
Sob stress o indivíduo tem uma maior tendência “para se orientar por hábitos em vez de executar acções por objectivos”, explicou ao «Ciência Hoje» Rui Costa, investigador do Programa de Neurociência da Fundação Champalimaud do Instituto Gulbenkian de Ciência.
A equipa de investigadores foi coordenada por Rui Costa e Nuno Sousa, do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e da Saúde (ICVS) da Universidade do Minho.
Rui Costa explica que o ponto de partida deste estudo surgiu de uma conversa com Nuno Sousa: “Eu fazia parte de um grupo de estudo que há muito se debruçava sobre as acções intencionais e os hábitos. Nuno Sousa estudava os efeitos do stress crónico no cérebro”.
Durante os dois anos em que se realizou o estudo, os investigadores chegaram à conclusão de que “o stress crónico causa mudanças estruturais no cérebro”. Os neurónios ficam com atrofia na zona do córtex pré-frontal, e hipertrofia nos circuitos responsável pelos hábitos (no estriado dorsolateral). “Isto não acontece apenas durante o período de stress, mas também depois”, diz.
Nesta situação, “uma pessoa em vez que executar acções tendo em vista determinado objectivo fica mais dependente dos hábitos”.
Para o investigador, isto é “bom e mau”. Bom porque o cérebro utiliza “estratégias automáticas para evitar o colapso”, ou seja, “é uma resposta adaptativa ao stress”. É mau “quando se tem de tomar uma decisão e fazer adaptações constantes”.
Rui Costa dá um exemplo: “Alguém sob stress crónico tem de ir fazer compras depois do trabalho. Pega no carro mas em vez de passar pelo supermercado segue a rotina e dirige-se para casa”. O hábito aqui prevalece sobre um objectivo específico.
Já tinham sido feitos estudos sobre os efeitos do stress a nível emocional e de memória. No entanto, este estudo aborda a questão de outra forma.
“O hábito é memória e a acção intencional também recorre à memória. O que se passa aqui é que pode haver uma competição entre memórias. Mas não é um problema de memória”.
Pela sua qualidade técnica, pertinência científica, multidisciplinaridade e aplicação em várias áreas, a prestigiada revista «Science», publicação semanal da AAAS (American Association for the Advancement of Science), decidiu publicar o estudo. Este pode ter impacto na etiologia de várias patologias neurológicas e psiquiátricas, nomeadamente pertubações obsessivo-compulsivas e comportamentos viciantes.
A equipa foi constituída por sete elementos que pertencem ao Domínio de Investigação em Neurociências do ICVS, sendo o primeiro autor Eduardo Dias-Ferreira, um aluno de doutoramento que está agora a continuar o estudo com Rui Costa.
Artigo:
Chronic Stress Causes Frontostriatal Reorganization and Affects Decision-Making, por E. Dias-Ferreira; J.C. Sousa; I. Melo; P. Morgado; A.R. Mesquita; J.J. Cerqueira; N. Sousa da Universidade do Minho em Braga, Portugal; E. Dias-Ferreira; R.M. Costa do National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism, National Institutes of Health em Bethesda, MD, EUA; E. Dias-Ferreira da Universidade de Coimbra em Coimbra, Portugal; R.M. Costa do Programa de Neurociência da Fundação Champalimaud do Instituto Gulbenkian de Ciência em Oeiras, Portugal.
Comentários
pedro castro, em 2009-07-31 às 10:20, disse:
Olá Rui Costa. Essa alteração "morfológica" pode ser revertida se mudarmos os hábitos de vida - por exemplo aprendendo a lidar melhor com a pressão do trabalho sem entrar em stress - ou uma vez produzida a modificação não mais poderemos re-exercitar as ligações atrofiadas ?
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=33720&op=all
Comentários
Nenhum comentário realizado até o momentoPara comentar, é necessário ser cadastrado no CEV fazer parte dessa comunidade.