Compartilho com vocês artigo do Profressor João Batista Freire a respeito da coluna do jornalista Marcelo Coelho na Folha de São Paulo. 

O referido artigo: http://cev.org.br/biblioteca/vida-longa-para-a-educacao-fisica-e-para-o-jornalismo

O mesmo material também pode ser encontrado na comunidade Educação Física no Maranhão: http://cev.org.br/comunidade/maranhao/debate/vida-longa-para-a-educacao-fisica-e-para-o-jornalismo-por-joao-batista-freire/

No blog do Juca Kfouri: http://blogdojuca.uol.com.br/2016/10/vida-longa-para-a-educacao-fisica-e-para-o-jornalismo/

 

Vida longa para a Educação Física e para o jornalismo João Batista Freire

No jornal Folha de São Paulo, o jornalista Marcelo Coelho mostrou-se entusiasmado com a possibilidade de extinção da disciplina Educação Física. Na proposta de reforma do Ensino Médio, o MEC sugere o término da obrigatoriedade da Educação Física. As lembranças de aulas de Educação Física quando menino foram traumatizantes para Marcelo Coelho e ele vê com entusiasmo o castigo que essa disciplina faria por merecer. Fala do assunto como se praticasse uma tardia vingança. Passei por algo parecido quando fazia Educação Física na escola. Ao contrário do jornalista, recuperei-me do trauma, formei-me professor e tive a oportunidade de participar da construção de um modo de fazer Educação Física que tornou aquela que ele viveu peça de arqueologia, embora ainda existam, entre os professores dessa disciplina, remanescentes do período das cavernas. Tive experiências igualmente traumatizantes com a Matemática, aprendi a odiá-la por algum tempo, e nem por isso me manifestaria com júbilo caso ela fosse ameaçada de extinção; quando muito torceria para que, de maneira geral, os professores de Matemática humanizassem sua pedagogia. Maior trauma sofri, no entanto, com a escola de modo geral. Menino louco por brincadeiras, trancaram-me em salas de aula, imobilizado em carteiras, sem espaço para me mexer, conversar, rir ou chorar durante anos e anos. Todos passamos por essa clausura, impedidos que fomos de ser crianças ou adolescentes. E nem por isso me entusiasmo com a ideia da extinção da escola. Sou educador e trabalho todos os dias por uma Educação Física melhor e por uma escola melhor.

 
O texto do aclamado jornalista Marcelo Coelho, de quem sou leitor e a quem muito respeito, seria menos grave não fosse ele o formador de opinião que é. Deveria ter consultado pessoas confiáveis da área antes de escrever o que escreveu. Testemunhei, ao longo de minha vida, reportagens catastróficas, indignei-me com manchetes de tablóides, mas não me aventuraria a sugerir medidas para o jornalismo antes de consultar os bons jornalistas.

 
Não é de hoje que a Educação Física é ameaçada. Até porque essa negação vai além da Educação Física. Durante doze anos de escolaridade, crianças e adolescentes são encarceradas em espaços reduzidos de meio metro quadrado, quatro horas por dia, duzentos dias por ano, num total de 9600 horas de seus melhores anos de vida. Isso é exclusão, numa época em que tanto se fala em inclusão. Exclusão do corpo. O corpo não pode ter vez na escola, porque ele nos amedronta, ele cede aos vícios, ele se degrada, ele morre, e não queremos esse destino para nós. Mas ele também é a fonte da felicidade; daí a ansiedade das crianças para sair da sala e ir para a aula de Educação Física. O medo do fim nos leva a negar o corpo, é preciso fazer de conta que ele é uma outra entidade diferente de nós. Mas isso não é possível. Não podemos nos livrar do corpo, porque seria o mesmo que nos livrarmos de nós mesmos. O corpo somos nós, enquanto perdurar esta vida. E uma criança não pode viver como se não fosse corpo, como se não fosse criança. Assim como um adolescente, exatamente num período de vida de tão grandes transformações físicas, não pode viver negando que é corpo. É disso que se trata. Queremos fazer de conta que poderemos nos livrar do corpo para sobreviver ao seu suposto destino final.

 
Marcelo Coelho alinha-se a essa ideia quando afirma seu entusiasmo pela extinção da Educação Física. Antes, ele deveria conhecer o que foi construído em nossa área dos anos 1980 para cá. E até mesmo antes disso, se estudasse os belos trabalhos de nossos pioneiros Inezil Pena Marinho, Fernando Azevedo, Oswaldo Diniz ou Alfredo Colombo. Não se trata, saiba o ilustre jornalista, de ser o esporte ou as brincadeiras os conteúdos mais ou menos adequados. Trata-se de projetos educacionais, de projetos de vida, que carecem de sentido sem a orientação do método adequado ou de uma pedagogia humanizante. Pena ele não ter nos perguntado antes de se entusiasmar com nossa extinção. Teríamos carradas de exemplos de uma Educação Física que ele não teve a felicidade de conhecer.

 
O espaço é pequeno para indicar trabalhos notáveis feitos atualmente por professores e professoras extremamente competentes. Poderíamos descrever projetos muito bons que tornam nossos alunos adolescentes protagonistas de projetos para atuar com a dança, com os esportes na natureza, com esportes radicais, com o conhecimento do próprio corpo, com os primeiros socorros e cuidados com a saúde, com as discussões de gênero, com as drogas, o racismo e a homofobia. Há uma vasta cultura de jogos e exercícios, o que inclui o esporte, a dança, as lutas, o circo, as ginásticas, as brincadeiras populares, entre tantas manifestações do exercício e do lúdico, que nossos jovens precisam aprender a praticar e a compreender, o que jamais será feito caso seja decretada nossa extinção.

 

Marcelo Coelho exultou com nosso fim. Nós, ao contrário, queremos para ele vida longa, pois precisamos, mais que nunca, de seu bom jornalismo.

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