Resumo

Ao considerar o arcabouço teórico e didático que constitui o Currículo Cultural de Educação Física, nota-se a territorialização do seu regime aletúrgico na dimensão estética, portanto de produção de novos sentidos que sejam mais contingentes e presentes. Dessa forma, o currículo se apoia em discursos que tomam a diferença como potência para essa dimensão, pois tende a borrar os limites da fixação da norma ou do regime, impulsionando à quem se propor ao exercício artístico, novas configurações dos saberes e dos poderes, vinculados às demandas autorais. Excitados por essa questão, a pesquisa aqui exposta toma como objeto de estudo enunciados expostos em relatos de experiência narrados por docentes acerca de suas aulas pautadas no Currículo Cultural de Educação Física, que encontram-se divulgados na internet, a fim de identificar seus regimes ou governos de narratividade. Para tanto, usamos operadores metodológicos e conceituais pautados na perspectiva arqueológica de análise das relações estabelecidas por práticas discursivas, formulada por Michel Foucault (1986), ao localizarmos aspectos da formação dos enunciados pedagógicos que engendram essa perspectiva de currículo e como se expressam (seus efeitos) nos relatos analisados. Nessa empreitada, entre outros traços, foi possível apontar a potencialidade de um dos relatos permeado pelo movimento da “artistagem”, “transcriação” ou didática da tradução, conceitos propostos por Corazza (2013; 2015; 2016), e que são reafirmados epistemologicamente pelo currículo cultural, entendendo a complexidade do trato com a arte, pois está a mapear com sensibilidade seu território de partida, ao mesmo tempo em que já se decidiu borrá-lo, jogando-se para a diferença de modo prudente, cauteloso. Nesse sentido, há uma aproximação dessa narrativa com a literatura, que demonstra o apelo ao que difere, portanto, à arte. A literatura - uso estético da linguagem - carrega consigo a possibilidade de aproximar-se da contingência e da inventividade daquilo que é narrado, pois se distancia de um exercício de conclusão sobre o que se narra, abrindo-se às possibilidades do acontecimento, além de ser uma escrita aberta à diferença que promove escapes no pensamento daquele que toma contato com o texto, tornando-o passível de novas atribuições de sentido. Ao mesmo tempo, o relato não deixa dedialogar com o que quer o Currículo Cultural além de um regime aberto às possibilidades, demonstrando no decorrer da sua narrativa aparatos formulados por esse currículo que conduziram as práticas pedagógicas, localizando seu território. Afirma assim o movimento árduo de elaboração e negociação do novo impulsionado pela diferença